O futuro do Mundo

Quinta-feira. 16 de Maio de 2024. Ela faz 45 anos. Normalmente é ela a madrugadora. É ela a pessoa que salta da cama enquanto eu peço mais alguns minutos agarrado ao sono. O dia lá fora ainda não nasceu. Levanto-me devagar, sem fazer barulho algum. Atravesso a casa devagar, com cuidado para não acordar nenhum dos miúdos. A Beatriz tem o sono leve e provavelmente irá acordar. Já o Bruno precisa de dois despertadores para se mexer. Desço as escadas e chego à cozinha. Pedi à D. Júlia para fazer um bolo caseiro de laranja. Ela deve estar a chegar. Ainda é cedo. Ponho o café a fazer. Coloco as torradas na torradeira. Pego na manteiga, no mel, nas compotas. Vou ao frigorífico e deito sumo num copo. Descasco alguma fruta fresca. Coloco tudo num tabuleiro. D. Júlia chega e sorri com tudo o que tenho preparado. Pergunto-lhe se trouxe o bolo e ela sorri com a minha ansiedade. Um achado, esta empregada bonacheirona com óptima mão para os doces. Já é família. Vou ao jardim e tiro uma orquídea. Normalmente ela não gosta, mas hoje perdoará. O Sol vai nascendo e a neblina vai levantando do jardim para o mar. Quando volto à cozinha, Beatriz já está de volta do bolo. Soltou Compay, o nosso Labrador castanho, e Nina, a Siamesa preta. Peço para toda a gente fazer pouco barulho. Com tudo preparado, eu, Beatriz e os animais voltamos ao quarto como uma procissão. Ao passar pelo quarto de Bruno, mando Beatriz acorda-lo. Compay antecipa-se e lambe-o até acordar. Rimos com o desespero do meu filho a tentar afastar a língua canídea. Com a equipa completa, chegamos ao quarto. Pouso o tabuleiro, abro a persiana devagar… A luz da aurora já se adivinha na praia. O bulício dos surfistas começa a animar o areal. Ela já está de sorriso nos lábios com os mimos humanos e animais. Os nossos olhos encontram-se e desejo um feliz aniversário…

Apesar de ser dia de festa, mando as crianças vestir porque é dia de aulas. Moro numa cidade brasileira, pequena e pacata. Os miúdos frequentam um colégio universal onde aprendem línguas, música, desporto. Uma educação completa. Ela é responsável por uma ONG humanitária. Viaja pelo mundo todo mas consegue ter tempo para a família. Eu sou escritor e psicólogo. Atingi um ponto em que tenho tempo para escrever de manhã e exercer psicologia à tarde no clube da cidade. Depois de ter estagiado e trabalhado em alguns clubes portugueses, tive este convite para um clube da 1ª divisão brasileira. A conjugação de tudo certo…

Assim, de manhã, depois de ter levado as crianças ao colégio, volto para casa. Falo com D. Júlia sobre o almoço e fico de ir ao mercado comprar peixe para grelhar ao almoço. A meio da manhã caminho até à praia. No bar dos surfistas em frente ao mar, vou para a minha mesa habitual e começo a escrever. Passados uns momentos tenho o meu sumo habitual à minha frente. O mar, o sol, o calor, a escrita. À hora de almoço passo pelo mercado e compro o peixe. Ajudo D. Júlia a preparar o peixe, o arroz e a salada. A aniversariante regressa do trabalho, e almoçamos os dois no alpendre para apreciar a vista. Falamos, rimos e sorrimos. Convidamos D. Júlia para comer a sobremesa (que ela fez) connosco. Não faz sentido que ela não esteja.

A seguir ao almoço sigo para o estádio. Adoro o que faço. A razão para me ter tornado psicólogo. O desporto, a mente, o comportamento, a percepção, o rendimento, o desempenho. Todas as variáveis, todas as razões que fazem com que algo possa acontecer. O clube vai bem, os jogadores gostam de mim, o treinador respeita-me. Alguns clubes europeus andam a sondar-me. Não sei, aqui ganho bem, vivo feliz…
Ao fim da tarde regresso a casa para o ritual familiar diário: o mergulho no mar. Os quatro e Compay. Meia hora de brincadeira na praia e no mar. Aproveitar os momentos felizes da vida…

Perto das 20h, e depois de um banho tomado, começamos a preparar o jantar com a ajuda de D. Júlia e das crianças. Vamos receber alguns amigos. Adoramos cozinhar juntos e receber amigos. Marisco, peixe, fruta, feijão, arroz. Um festim de comemoração. Eles começam a chegar. Caipirinhas, mojitos, vinho, cerveja. Haja alegria. A certa altura vou buscar o bolo e todos cantamos os parabéns. À meia-noite, vou deitar os miúdos que reclamam mais tempo com os adultos. Rio-me enquanto os deito e lhes dou um beijo de boa noite…

Quando volto para a festa, o tom baixou. Agora há um ou dois violões e canta-se. Músicas do mundo. Mornas, fados, modinhas… Ela pede-me que cante “a música”. De imediato tudo se cala. Sem violões, só a voz. “Gracias a la vida” de Violeta Parra. Um hino à vida. Olho-a e ela sorri. Está feliz. Estou feliz…

Depois de toda a gente ir embora e de tudo arrumado, tomamos um longo banho e entramos na cama. É tempo de terminar um dia perfeito. Amanhã há mais...

1 comentários:

Anónimo disse...

Lindo, consigo imaginar a perfeição do cotidiano.

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