Personagens:
António Duro (Tony Hard) –
Assassino frio e calculista. Não fala muito sobre o que faz. Tem um filho que
sofre de uma patologia (não consegue mentir), que o coloca em embaraço. Trabalha
para Mila mas acabará por se reformar porque se irá apaixonar por uma juíza.
Cândida Minerva - Juíza
conhecida por ser benevolente e romântica. Tem-se desiludido porque não
conheceu nenhum criminoso que se tenha regenerado. Apaixonar-se-á por Tony
Hard.
Arménio Formiga –
Contabilista hiperactivo, maníaco-compulsivo. Vive com medo da polícia mas não
resiste a fazer falcatruas ao serviço de Mila. Irá salva-la da prisão e ficará
com ela.
Mila Fortuna – Criminosa
metida em vários negócios ilícitos (droga, armas), herdados do marido. Adora
mandar e ter lacaios. Sente vergonha da sua filha. Fica com o contabilista que
a salva da polícia.
Franco Duro – Filho de um
assassino, padece de uma patologia que o impede de mentir. Encontra em Benedita
uma pessoa que o entende.
Benedita Fortuna – Filha de
Mila, sofre muito quando perde o pai. Tem algo de esquizofrénica, o que irrita
a mãe. Vive muito sozinha e encontrará em Franco um amigo. Acabará por ficar
com a fortuna dos pais.
João Janus – Medico
cirurgião que ajuda criminosos a mudar de cara. Mas o seu fascínio é poder
moldar as mulheres. Quando conhece Diva, apaixona-se porque conhece alguém que
não quer mudar.
Diva – Bela modelo, que tem
baixa auto-estima. Irá procurar um cirurgião para tornar-se mais bonita mas ele
irá mostrar-lhe que é perfeita.
Jorge Seguro – Polícia que
persegue a família Fortuna. Acabará por deixar escapar Mila por se apaixonar
por Minie e deixar a polícia.
Minie Fortuna – Filha de
Mila e irmã de Benedita. Tem amizades pouco aconselháveis e um feitio malvado.
Acaba por deixar a vida do crime porque se apaixona por Jorge.
Bárbara Minerva - Advogada
durona e fria, irmã de Cândida, mas muito diferente da irmã. Não tem remorsos
em defender criminosos. Acabará por se tornar advogada pro bono porque causa de Salvador, o padre por quem se irá
apaixonar.
Padre Salvador – Padre
bondoso. Abandonará o Sacerdócio por causa do seu amor da adolescência.
Bernardo Libertino –
Playboy, mulherengo, vive a consumir droga e com mulheres diferentes. Irá
deixar essa vida porque conhece uma mulher pura.
Purificação Inocêncio - Irmã
de António, esta doce e inocente professora não sabe a profissão do irmão.
Conhecerá Bernardo e transformará um playboy num homem romântico.
Diabo – Tem a capacidade de
trazer ao de cima tudo de mau que há nos personagens e tenta corromper todas as
personagens que demonstram ser boas.
Deusa – Tem a capacidade de
realçar tudo que de bom há nas personagens e tenta salvar todas as personagens
más.
Sofia Grilo – Psiquiatra a
quem todas as personagens recorrem. Não se consegue calar quando está a ouvir
os pacientes, o que faz com que vão embora.
Vera Verdade – Jornalista curiosa e ambiciosa que
tenta obter a notícia da sua vida com a família Fortuna. Não conseguirá o seu
objectivo, mas inventará uma nova forma de atingir a fama.
Prólogo
Narrador:
Sejam bem-vindos a uma
viagem às tramas de uma teia. Uma teia de ligações, uma teia de relações, uma
teia de personagens. Personagens que sabemos ser boas ou más, mas que nos podem
surpreender. Na vida falamos para nós mesmos e ouvimo-nos a nós mesmos, falamos
para os outros mesmo sem ser ouvidos, e dialogamos mesmo sem falar. Tudo nos
define e tudo nos faz mudar. Para o bem ou para o mal…
Diabo:
Todos sabem que as pessoas
só mudam para o Mal. Agora já nem as crianças são puras. E quanto mais crescem,
pior ficam. Mais egoístas, egocêntricas, egotistas, maldosas, maldizentes,
mal-educadas, ignorantes, ignóbeis, ignotos, maníacas, manientas,
manipuladoras, intolerantes, impacientes, impossíveis…Enfim, quanto mais
velhos, pior. E com menos hipóteses de se redimir. Quem ganha sou eu, que
recebo cada vez mais pessoas nos meus agradavelmente quentes aposentos. É
limpinho…
Deusa:
Nem pensar! Todas as pessoas
encontram o caminho do Bem. Sabes que essa é a nossa grande força. Uma vida má
pode ser salva com um minuto de Bem. Porque o perdão e absolvição protegem os
que se arrependem. E se dizes que muitos têm entrado no teu domínio, garanto-te
que mais ainda vem para o reino da tranquilidade. Mesmo nos últimos momentos.
Diabo:
Essa coisa do arrependimento
de última hora é para medrosos. Só porque vão morrer, querem ficar em paz. Mas eu tenho uma
vida inteira para os tentar…
Deusa:
Podes tentar, mas não
consegues…
Narrador:
A eterna luta entre o Bem e
o Mal. Deus e o Diabo. Céu e Inferno. Uma viagem atribulada. Uma teia cheia de
tramas…
I
Acto
Jorge Seguro:
Eu sei que ela continuou os
negócios do marido, mas a sacana é esperta. Não há maneira de a apanhar! Já o
marido conseguiu iludir-nos durante muito tempo. Sabíamos que tinha negócios de
armas e droga, mas nunca havia provas para o incriminar. Até que ele morreu!
Três tiros, dizem uns. Doze facadas, dizem outros. Envenenado, outra hipótese.
Nunca fizemos autópsia. A família não permitiu. (pausa) Pensamos que o negócio
se desmantelaria. Mas não… De repente, os mesmos negócios estão mais fortes, os
outros traficantes aparecem mortos. E só pode ser aquela mulher: Mila Fortuna!
Lembro-me dela quando morreu o marido. Fria como um bloco de gelo. Cruel,
traiçoeira, vingativa. A morte dos rivais é claramente uma jogada feminina. Há
entre os homens com negócios obscuros um código de honra. Mas uma mulher
ambiciosa é capaz de esquecer tudo isso. E agora em vez de vários problemas
pequenos, temos um enorme. E tem sido impossível apanhá-la em falso. Tenho o meu
chefe a chatear-me a cabeça por não avançarmos nada. Ela tira-me do sério!
(pausa) E depois há a filha. Minie Fortuna. Tem tanto de bonita como perigosa.
Parece que nem sentiu a morte do pai. Estava mais interessada no dinheiro que
lhe ia calhar. É tão fria como a mãe. Mas é mesmo gira. Mas que estou eu a
dizer? Ela é tão criminosa como a mãe. E não importa que seja bonita ou feia.
Tenho de arranjar provas contra aquela família e vai ser através da filha, ou
não me chame eu Jorge Seguro… (fica pensativo)
Diabo:
Sim, tu queres aquela
diabinha, não queres? Ela pode ser uma criminosa mas é um docinho. Tu
fazias-lhe a folha. E não estou a falar de papéis! Gostavas de dar uns
apertões. E não estou a falar de interrogatórios! E ela parece ser daquelas que
gosta…
Deusa:
Cala-te! Deixa estar o rapaz
e a rapariga em paz. Ele
tem de fazer o trabalho dele. E ela, ainda vai encontrar o caminho do Bem.
Diabo:
Vai, vai! O caminho que
“eles” vão encontrar nada tem a ver com o Bem…
Deusa:
Vamos ver…
(apaga-se a luz; acende-se o
divã)
Sofia Grilo:
Então o que tem? (fica
parada)
Narrador:
Decidi interromper para vos
apresentar a nossa psiquiatra. Esta é Sofia Grilo. Toda a gente vem parar ao
seu divã. Todos nós precisamos de falar. Desabafar. Desbobinar os problemas.
Pessoas boas e más, todas tem problemas. E vem falar com Sofia. Mas há uma
razão para ela se chamar Grilo! É que ela tende a falar mais que o paciente.
Vejam e ouçam…Ah, a menina que está deitada no divã é a infame Minie Fortuna.
Minie Fortuna:
Sinto-me perdida. Sinto uma
raiva enorme da vida que tenho. Vivi sempre no meio de bandidos e criminosos.
Com dez anos, já tinha visto droga. Com quinze, já tinha visto armas. Com
dezoito, já tinha visto mortes. E depois a morte do meu pai…
Sofia:
Culpa o seu pai por essa
infância? Por essa infelicidade?
Minie:
Mas quem disse que eu era
infeliz? Eu adorava aquilo tudo. Tudo… Sempre tive muita liberdade. Quando
tinha algum problema, os meus pais davam-me dinheiro para resolver. Uma vez
tive um namorado que me deixou. Mandei lá o braço direito do meu pai, o Tony, e
ele matou-o. Bem feita…
Sofia:
Mandou matar o namorado
porque ele acabou consigo? Que horror! Eu estava feita. Todos os homens me
deixam. Se eu fosse fazer isso a todos, passaria o resto dos meus dias na
prisão. E eu não percebo porque é que eles me deixam. Dizem que falo demais…
Não entendo! (lembra-se da paciente) E porque é que ele acabou consigo?
Minie:
Já percebi porque é os
homens fogem todos! A Doutora não se cala…Não é suposto ser eu a falar?
Sofia:
Sim, eu sei. Dizem que falo
muito. E que um psiquiatra deve ouvir. Mas afinal porque é que ele a deixou?
Minie:
Sei lá! Disse que não me
amava mais. Como se isso fosse possível! Sei que me deixou e por isso morreu.
Também não gostava assim muito dele.
Sofia:
Não gostava e matou-o?
Minie:
Sim. Aliás, não gosto de
nenhum homem. Não tem nada de novo. Os meus amigos são todos porreiros mas
pensam que são maus. Aposto que já vi mais mortes que eles. Só porque snifam
cocaína, pensam que são os maiores. Quero algo diferente…
Sofia:
Pois eu gostei de todos os
meus namorados. Todos! Até aqueles que eu sabia que me traíam.
Minie:
O quê? Os que a traíam? E
não fazia nada? Eu mandava logo limpar-lhes o sebo. Comigo não fazem sopa.
Quero um gajo à maneira.
Sofia:
Um gajo à maneira? Mas como,
se está metida com criminosos? Acho que assim não é fácil encontrar alguém em condições. Muito
complicado. Impossível…
Minie:
(levanta-se) Irra, que a
mulher é chata! Venho aqui para falar e resolver problemas, e ela ainda põe
mais. Tem sorte em não lhe dar um tiro. Vou-me embora antes que me passe de
vez. (sai)
Narrador:
(aproxima-se de Sofia) É
sempre assim! O paciente acaba sempre por não aguentar a conversa da
psiquiatra. Ela fala, fala, e não ouve. Ora, as pessoas vem cá para falar…
(apaga-se a luz do divã;
acende-se outra luz)
Mila Fortuna:
Pela primeira vez na vida
tenho paúra. (anda de um lado para o outro) Medo! Passei todas as coisas sem
receios nem dúvidas. Nem quando o GianLuigi morreu. Mantive la calma, não
permiti la autópsia, deixei passar las ondas e dopo continuei os negócios. E
molto megliore! Transformei un negócio locale para algo mondiale. Dei cabo dos
outros chefes todos e fiquei com tutto controlo. Aquele stronzo nunca se
lembraria disso. Cominciava a parlare daquela treta del código de honra. Como
se isto não fosse un negócio! E num negócio quer-se “il massimo profitto”!
Senza paúra. Mas agora… (pausa) Sinto que le cose estão a ficar descontroladas.
Primo, aquele carregamento de armas que se perdeu. Dopo, la tonelada de droga
que foi apreendida per la polizia. (pára) Aquele polizia que me irrita! Qual é il
nome? Jorge Seguro… (faz uma pausa) E dopo aquela estouvada da Minie! Manda o
Tony matar i namorati. A sorte é que ele não lascia testemunhas. Não fosse ele
e ela já tinha ido parar in prigione. (afasta o mau olhado) Stronza! Antes la Benedetta. Loca de
pedra, mas al meno não fa asneiras. Anda lá nel mondo dela. E io tengo de
tratar de tutto sozinha. Mais tarde ou mais cedo vou cometer un errore
qualquer. Acontece sempre…Já não tengo idade para ir para la prigione! (afasta
o mau olhado) Passaria lá il resto de la mia vita! E io no voglio. Quero paz…
Quero desaparecer… (pára)
Diabo:
(aproxima-se de Mila)
Desaparecer? Ah ah ah ah Nunca! A
maldade é inerente a ti… Achas que foi por acaso que conseguiste assumir o
papel do teu marido? Tens não sei quantas mortes na tua consciência. Mandaste
tratar da saúde a muita gente! Para além de tu sabes o quê…
Deusa:
(aproxima-se) Estás a falar
do marido, certo?
Diabo:
Claro que sim. Sei eu, sabes
tu e sabe ela. Bastou que o descobrisse na cama com a amante e… Pum! Pum! Dois
ou três balázios em cada um. Ah ah ah ah… Adorei…
Deusa:
Cala-te! Foi uma reacção
normal de uma mulher despeitada.
Diabo:
Claro, claro… A mim pouco me
importa as razões. Interessam-me essas reacções instintivas. Porque as pessoas
são sempre más…
Deusa:
Não! Não! Isso não é
verdade. O ser humano é infinitamente bom… E há atenuantes. Sabes bem o traste
que era…
Diabo:
Estás quase a dizer que
merecia morrer… Ah ah ah ah
Deusa:
Não, não sou capaz de dizer
isso! Mas sei que ela tem algo de bom.
Diabo:
Claro que tem! (pausa, faz o
gesto de atirar) Pontaria…
(apaga-se a luz; iluminam-se
duas personagens; aparece o narrador)
Narrador:
Para não se perderem nas
personagens, nem na trama, esta é Bárbara Minerva, uma advogada com poucos
escrúpulos, e que normalmente esquece os crimes dos clientes quando o dinheiro
fala mais alto. Ele é o Padre Salvador e…(pausa) é padre.
Bárbara Minerva:
Ah, Salvador, tu conheces-me
desde sempre! Tenho um trabalho e se me pagam, faço-o.
Salvador:
Eu sei, Bárbara! Mas não
entendo como podes defender essas pessoas. Criminosos da pior espécie…
Bárbara:
Mas tu não pregas que toda a
gente merece ser perdoada? Ah ah ah…
Salvador:
Não se mistura a justiça
divina com a terrena. Quem perdoa as pessoas é Deus. Por isso, quem comete
crimes, deve ser punido de acordo com a lei…
Bárbara:
De acordo, mas alguém tem
que os defender. Eu apenas sou quem mostra a versão deles.
Salvador:
Sabes muito bem que fazes
mais do que isso. Inventas subterfúgios legais para que eles se safem. E a
troco de dinheiro!!
Bárbara:
Claro que é a troco de
dinheiro! Faço o meu trabalho e espero ser remunerada por isso. E se conheço a
lei, é porque a estudei.
Salvador:
Está bem! Mas há princípios.
Há valores. Eu lembro-me que querias defender causas mais nobres.
Bárbara:
Pois, pois. Era jovem e
parva! Mas cresci. A parva da minha irmã ainda vive nesse mundo de fantasia.
Salvador:
Não digas isso. A Cândida
tem outros princípios. Aliás, até tem demais…
Bárbara:
Qual é a diferença? Eu
defendo os criminosos. Ela, com aquele coração de manteiga, solta-os. Dá sempre
aqueles sermões bonitos para eles se regenerarem e depois eles aparecem lá
outra vez.
Salvador:
Porque ela acredita sempre
que algum se irá regenerar.
Bárbara:
Pois, pois! Mas até agora
nenhum. E tu continuas a defendê-la. E a atacar-me a mim. Mas tu sempre a
preferiste a ela…
Salvador:
Enganas-te! Sempre olhei
para a tua irmã como amiga. Apenas amiga… (pausa) Quanto a ti…
Bárbara:
Quanto a mim o quê? Não sou
tua amiga?
Salvador:
O que eu disse é que ela é
apenas amiga. Tu sempre foste algo mais…
Bárbara:
Eu?? Não me digas que
gostavas de mim? (surpreendida)
Salvador:
Vais dizer-me que nunca
percebeste isso? Claro que gostava de ti. Mas tu nunca ligaste. E eu descobri a
minha vocação.
Bárbara:
Oh, Salvador! Nunca percebi
isso. Porque não disseste nada? Sempre achei que arrastavas a asa para minha
irmã.
Salvador:
Ela sempre soube que gostava
de ti. E quis-te contar quando decidi ir para o seminário. Eu é que não deixei.
Bárbara:
Porquê?
Salvador:
Porque uma vocação é algo
que não se abandona…
Bárbara:
Oh, Salvador…
(apaga-se a luz; acende-se
uma luz isolada)
Tony Hard:
Mais um, menos um! (pausa)
Continua a ser fácil matá-los, mas esquecer é cada vez mais difícil. Aparecem
os rostos todas as noites. Perdi a conta de quantos foram. Não gosto sequer de
falar disso! Mas é o que faço. E faço bem. Sem perguntas, sem testemunhas. O
patrão, ou melhor, a patroa manda, eu faço. A pirralha zanga-se com o namorado
e eu trato do assunto. Sem problemas. Interessam-me pouco as razões. Dizem-me
para fazer e eu faço. Mais nada! Por isso me chamam Tony Hard… (pausa) Aliás,
para falar já me basta o miúdo. Que raio de doença tem ele que não consegue
mentir! Quantos gajos não tive que limpar porque ele se descaiu? Mas, pronto, é
meu filho. Gosto muito dele. Foi o fruto do acto mais humano que fiz na minha
vida. E por isso não posso esquecer. Um rasgo de humanidade… (pára)
Deusa:
Sim, e essa humanidade ainda
te há-de salvar!
Diabo:
O quê? Este também? Um gajo
que mata meio mundo? Mas tu vês esperança em todos?
Deusa:
Claro! Não ouviste ele a
dizer que tinha humanidade dentro dele?
Diabo:
Ele é um homem. É óbvio que
sente humanidade dentro dele. É também essa parte que o faz matá-los com tanta
limpeza.
Deusa:
Não importa! Ele tem
salvação. Sei disso!
Diabo:
Tens a mania que sabes tudo…
(apaga-se a luz; acende-se a
luz do divã)
Sofia:
Então o que tem?
Cândida Minerva:
Não sei, doutora! Não sei
qual é o meu papel no mundo.
Sofia:
A mim também me acontece
isso…
Cândida:
Não, mas a doutora está aqui
para ouvir. Sabe que estamos aqui para desabafar e contar os nossos problemas.
Mas eu não sei o meu papel. Fui para juíza porque queria fazer a justiça.
Prender os maus e ilibar os bons. Mas não consigo. Sou demasiado benevolente.
Chamam-me a “juíza romântica” ou a “juíza dos criminosos”! Só porque eu solto
alguns dos réus. (pausa) A maioria… (pausa) Pronto, solto todos! Mas dou-lhes
um sermão para que não voltem a fazê-lo.
Sofia:
E eles arrependem-se?
Cândida:
Não, voltam todos! E o
advogado de acusação pede outro juiz.
Sofia:
Pois, eu entendo bem isso!
Os meus pacientes nunca voltam, e eu não entendo. Dizem que não os oiço, mas eu
oiço. Estou a ouvi-la! Não estou?
Cândida:
Sim, acho que sim! E cada
vez menos julgamentos vêm parar às minhas mãos. De modo que não sei o meu
papel. Eu não consigo ser de outra forma. Queria ser fria e cheia de força como
a minha irmã, mas não consigo. Sou cândida. É do nome. Todas as vezes me
desiludem, mas não consigo deixar de pensar que algum se vai redimir. Com os
homens é a mesma coisa. Eles entram na minha vida, eu apaixono-me perdidamente,
eles vão embora, entra outro, e acabo sempre com o coração magoado.
Sofia:
Ah, eu também sou assim! Dou
sempre tudo na relação, pergunto o que eles gostam, faço as vontades todas,
pergunto se precisam de alguma coisa, faço as vontades todas… Já tinha dito
isto, não já? Não interessa. O que importa é que acabam sempre por ir embora e
eu não percebo.
Cândida:
Mas, e eu, senhora doutora?
Sofia:
A senhora o quê? Não sei que
lhe diga. Se acha que deve soltá-los, faça isso. Eu de leis não percebo nada…
Cândida:
Solta-los todos? Mas isso
não é justo.
Sofia:
Pois, se é justo ou não, não
sei. De facto, não tem jeito soltar os criminosos. Era como eu dizer a todos os
pacientes que não são malucos. Quer dizer, a maioria não são malucos, mas
alguns são. E outros dizem que sou maluca, que falo muito…
Cândida:
Por acaso a doutora fala
muito. E eu continuo sem saber o que fazer…
Sofia:
Mas não sou eu que vou dizer-lhe o que fazer.
Eu estou aqui para ouvir.
Cândida:
Mas a doutora quase não me
deixa falar. E se diz que não me pode ajudar com os meus problemas, então,
vou-me embora. (levanta-se e sai)
Sofia:
Oh! Mas eu estava a ouvi-la…
Há cada maluca!
(apaga-se a luz do divã;
acende-se outra luz)
Vera Verdade:
Cinco anos! Dias e dias a
rebuscar aquela família. A tentar descobrir todas as falcatruas daquela gente.
Ainda o patriarca estava vivo. Depois começou o reinado daquela bruxa. Mas eu
sei que estou perto! Chamo-me Vera Verdade e descubro sempre a verdade. (pára)
Mas eles escondem tudo muito bem. Tem lá aquele criado que limpa tudo muito bem
limpo. Nem as parvoíces da filha doida consigo descobrir. É tudo demasiado
vago. Não tenho ainda uma história concreta e o meu chefe não deixa que
estrague tudo. Não me posso precipitar. É uma história demasiado importante.
Posso ganhar prémios com isto! Ou até chegar a editor principal do meu jornal.
O meu sonho! Reconhecimento, fama, dinheiro…
Diabo:
Essa é que é essa! Qual
verdade nem meia verdade, o que ela quer mesmo é o dinheirinho. Ganância,
ambição, isso são tudo coisas do meu lado.
Deusa:
Não a ouviste dizer que ela
quer a verdade? Não existe mal nenhum em querer ser recompensada por isso.
Diabo:
Pois, mas eu acho que a
prioridade dela é mesmo a fama. O caminho para lá chegar é irrelevante…
Deusa:
Só o tempo o dirá!
(apaga-se a luz; acende-se a
luz do divã)
Sofia:
Então o que tem? (fica
parada)
Narrador:
Peço desculpa interromper!
Este é Arménio Formiga, contabilista hiperactivo e… Vocês vão já descobrir.
Ela, vocês já conhecem bem, Sofia Grilo Grilo Grilo…
Arménio Formiga:
Pois é, doutora, eu nem sei
por onde começar. (fala depressa) São tantas coisas, tantas coisas. Primeiro é
esta minha hiperactividade. Quando era criança, toda a gente dizia que tinha
bichos-carpinteiros, mas quando começou a ser demais, os meus pais levaram-me
ao médico e ele disse: hiperactivo obsessivo compulsivo. Pensei que era uma
doença gravíssima, em que ia ter uma cura estranha e dolorosa. Mas não! Tomo
uns comprimidos. É claro que me acalma, mas ainda assim, é como a doutora vê.
Falo, falo, falo…
Sofia:
Livra, que o senhor fala
muito. E ainda dizem que eu…
Arménio:
Pois é, pois é! Mas não é
culpa minha. Tenho esta energia toda e depois gosto de tudo direito, tudo
direitinho. E é por gostar das coisas todas bem feitas, que me surgiu isto. Eu
descobri sem querer, mas isto não está certo, não bate certo. E a doutora sabe
que eu não gosto de coisas que não batam certo.
Sofia:
Mas o que foi que descobriu?
Arménio:
As contas, doutora, as
contas! Sabe que fui para contabilista porque gosto muito de números. Gosto da
forma como fazendo todas as contas, tudo bate certo. E para mim tudo tem de
estar certo. Não está! Não está e é um problema. Não faço ideia como é que isto
se vai resolver. Há ali buracos e contas-fantasmas. Eu só trato de números,
nunca quis saber de mais nada.
Sofia:
Encontrou erros nas contas,
foi? E porque não fala com o cliente?
Arménio:
Como é que se chega ao pé de
um cliente e se diz que se encontrou erros que o fazem ir para a prisão durante
anos?!
Sofia:
Prisão? Então vá à polícia…
Arménio:
À polícia? Não posso! Não
posso fazer-lhe isso. É que a doutora não entende. Eu sou doido por aquela
mulher. Ela é um sonho. Assim, booooaaaa… Estou sempre a imaginar como é que
ela é nua e como será na cama…
Sofia:
Tem fantasias com a sua
cliente?
Arménio:
Fantasias? Isso é pouco.
Estou sempre a pensar nela. Como seria beijá-la. E ainda por cima é viúva. Deve
estar com tudo aos saltos. As hormonas e mais não sei o quê… Não a posso mandar
para a prisão.
Sofia:
Oh, homem, que tarado! Então
deixe lá as contas…
Arménio:
Oh, senhora doutora, mas não
consigo! Aquilo está mal, não bate certo. E alguém pode descobrir.
Sofia:
Só vejo uma solução:
conte-lhe tudo! As contas, os medos, as taradices. Tudo…
Arménio:
Tudo? Será melhor? Se calhar
tem razão. Eu sou o contabilista. E tenho de tratar das contas. Vou falar com
ela. E dizer-lhe que sou doido por ela. Obrigado, doutora, muito obrigado…
(levanta-se e sai)
Sofia:
Bem, este sim é que falava
muito. Quase nem falei! Se bem que saiu daqui satisfeito. Será por eu ter
falado pouco?
(apaga-se a luz do divã;
acende-se outra luz)
Purificação Inocêncio:
Talvez seja do nome… Sempre
me disseram que nunca um nome assentou tão bem a alguém. A Purificação em pessoa. A juntar ao
apelido Inocêncio. De facto, este meu romantismo só pode vir do nome. Mas que
culpa tenho eu de não querer embarcar no egoísmo e frieza que há hoje no mundo?
Quero um homem que me leia poemas e me ofereça flores. Que me faça sentir
única. Que me faça feliz. Como uma criança. (pára) Quando vejo os meus alunos,
com os seus sorrisos enormes, não posso deixar de pensar que ainda sou criança.
Ainda acredito em milagres, ainda acredito num mundo sem maldade, ainda
acredito que as pessoas dizem as verdades. Como o meu sobrinho lindo. Ora aí
está outro exemplo. Se calhar foi por lhe terem posto o nome de Franco, que ele
só diz a verdade. Seja como for, ainda bem. Antes isso que só dizer mentiras.
Dizem que são precisas mentiras no mundo, mas para mim só existem para magoar.
É um pequeno anjo frágil, o meu Franco. Já o meu irmão não. Aguenta tudo! Por
isso se chama António Duro. Mais um caso em que o nome diz tudo. Parece que nada
o afecta. Quase não fala. Às vezes não sei o que dizer. Mas sei que ele tem um
coração bom. Acredito nisso. Que há bem em todos nós. Talvez seja do nome…
(pára)
Deusa:
Vês? Vês? Ela acredita que
há Bem em toda a gente. Gosto dela!
Diabo:
Oh, é uma perdida. Nem perco
tempo com ela. Se vai andar à procura de um homem só com qualidades, bem que
vai ficar sozinha!
Deusa:
Não digas isso! Vais ver que
ela é recompensada.
Diabo:
Eh, sabes que nós não
podemos interferir com o destino de ninguém. Regra do livre-arbítrio.
Deusa:
Eu sei. Melhor que tu! Mas
acredito que quem faz o Bem, é sempre recompensado.
Diabo:
Pois, pois, vamos ver ser
ela não se cansa de ser assim.
Deusa:
Assim como?
Diabo:
Inocente. Ou melhor,
Inocência.
(apaga-se a luz, acende-se
outra luz)
Narrador:
Olá! Já se perderam na
estória ou, por outro lado, percebem cada vez melhor? (pausa) Apresento-vos
agora mais duas personagens. João Janus, cirurgião plástico, e Diva, uma bela
modelo.
João Janus:
(fala sozinho) Rico! Cada
vez mais rico. Ninguém está contente com a cara ou corpo que tem. O nariz, a
boca, as orelhas, as pernas, a barriga, tudo. E agora são os criminosos que
querem mudar tudo. É aí que caí mais dinheirinho. Ganho milhões sempre que uma
dessas pessoas precisa de uma nova identidade. (pára) Mas isso não é o que me
dá mais prazer. O que me dá mais prazer é mudar uma mulher. Vê-la entrar aqui e
perceber logo o que ela vai pedir. Torná-las perfeitas. Mas elas nunca ficam
perfeitas. Poderia sempre mudar alguma coisa. Bem, vamos lá ver como é esta
cliente. Como é que ela se chama? Ah, Diva. Ah ah ah ah! Vamos lá ver isso…
Diva:
Posso, senhor Doutor?
João:
Claro, entre! O meu
consultório é a sua… (gagueja) casa. Estou certo que a posso ajudar.
Diva:
Sim, senhor Doutor! Quero
que me ajude. Quero que me faça bonita. Nem que tenha de mudar tudo.
João:
Mas… Mudar tudo? O que quer
mudar? Com certeza não é na cara. Tem uma cara incrível. Linda como poucas.
Diva:
Não diga isso, Doutor! Não
me acho nada linda. Sou uma rapariga normal. Gostava de ser especial.
João:
Pelo que vejo não é nada
normal. É uma mulher muito bonita. Sem marcas, nem cicatrizes. É no corpo que
quer mudar alguma coisa?
Diva:
Também. Não gosto disto,
disto, disto. (vai apontando para partes do corpo)
João:
Ponha-se de pé, se faz
favor! (levantam-se os dois; examina o corpo dela). Mas a menina não tem nada
de errado. Em toda a minha carreira nunca encontrei ninguém assim.
Diva:
Oh, Doutor! Não brinque
comigo! Sou cheia de defeitos. Ninguém gosta de mim. Tem de me fazer qualquer
coisa. Quero fazer uma operação!
João:
(pensativo) Muito bem! Farei
a operação e irá tornar-se na mulher mais bonita do mundo.
Diva:
Era tudo que eu queria
ouvir. Eu confio a minha vida em
si. Sei que me vai fazer ficar linda.
João:
Muito bem! Marque lá fora
com a minha secretária a data da operação.
Diva:
Muito obrigado, Doutor!
Devo-lhe tudo… (sai)
João:
(fala sozinho) E agora? O
que é que faço? Ela é perfeita…
(apaga-se a luz; acende-se
outra luz; aparece o corpo de um jovem deitado)
Diabo:
Ah ah! Pobre coitado. Aqui
está um que já não tem salvação possível. Tem todos os vícios possíveis e
imaginários. Faz das mulheres brinquedos. Vive à custa dos pais, dos amigos. Um
parasita, um playboy, um gigolô, um drogado, um pária…
Deusa:
De facto, ele parece não ter
salvação. Um jovem! É triste… Com tanto para dar…
Diabo:
Pois, mas parece-me que este
não dá nada. Só se for problemas.
Deusa:
Não sejas sarcástico. Já
basta a visão que é ver este rapaz assim perdido.
Diabo:
Olha, olha, afinal está
vivo!
Bernardo:
(falando sozinho) Ai, que
raio de ressaca! Ai! Parece que tenho um sino aqui dentro. Dlim, dlão... Ah ah
Ai! Nem me posso rir. A festa de ontem deve ter sido boa. Se eu me lembrasse…
Ai, que não posso repetir mais isto. Ah ah, até à próxima… Já nem me lembro se
foi álcool, cocaína, charros. Nem me lembro com quem vim para casa. Lembro-me
que havia lá uma cota muito comestível. Lembro-me de a ter encostado a uma
parede e dado uns amassos. Mas nem me lembro se a comi ou não. Também mais uma,
menos uma. Logo há mais. A vida é curta, temos que a viver. Ao máximo. Sem
medos nem remorsos! O que interessa é o agora. É este momento. O resto que se
lixe. Quero lá saber que me chamem mulherengo. Não tenho feitio para me prender
a uma mulher. E se algumas me pagam para ir com elas para a cama, ainda melhor.
É maneira de nem sequer precisar de trabalhar. Ah ah! Vida boa. Vida santa…
(pára)
Diabo:
Santa??!! Ah ah ah. Só este
gajo para me fazer rir. Nem quando nasceste, tinhas alguma coisa de santo.
Este, minha querida, já era…
Deusa:
Talvez, talvez…
(apaga-se a luz; acende-se a
luz do divã)
Sofia:
Então o que tem?
Franco:
Não sei mentir!
Sofia:
Não sabe mentir? Mas isso é
alguma doença?
Franco:
Claro que sim! Já viu um
mundo sem mentiras? Já me meti em tantas confusões.
Sofia:
Quem me dera que todas as
pessoas fossem assim. Era muito melhor. Não haveria problemas. Não haveria
confusões.
Franco:
Não há? Doutora, não diga
isso! Quando me fazem perguntas eu respondo sempre a verdade, e as pessoas não
aceitam muitas vezes a verdade.
Sofia:
Não aceitam? Como é
possível? Se fazem perguntas, devem querer saber a verdade.
Franco:
Não, as pessoas querem que
eu responda aquilo que elas querem ouvir! Imagine que alguém me pergunta se
está gorda, eu digo sim porque acho mesmo que está gorda. Como é que acha que
essa pessoa fica? Não, não é bom.
Sofia:
Pois, isso é verdade. Essas
mentirinhas diplomáticas são o que fazem as pessoas dar-se. O viver em
sociedade só funciona se nos adaptarmos uns aos outros. Assim entendo que possa
ser chato.
Franco:
Chato? É um problema. Até
porque há coisas mais graves que essas mentiras. Esta doença ainda me vai
trazer muitas complicações. Basta que falem do meu pai…
Sofia:
Que tem o seu pai? Bate-lhe?
Franco:
Não! Mata pessoas.
Sofia:
Credo! E diz-me isso assim?
Franco:
A Doutora perguntou-me.
Sofia:
Mentia-me!!
Franco:
Não consigo. Irra, que a
Doutora é lenta! Então se estou aqui desde o início a dizer que não consigo.
Bem, já vi que aqui não terei ajuda. Vou-me embora! (levanta-se e sai)
Sofia:
Malcriado! A chamar-me
lenta. E diz ele que só diz a verdade. Mentiroso é o que ele é…
(apaga-se a luz do divã;
acende-se outra luz)
Benedita:
(fala sozinha) Olá, papá!
Como estás? Tenho saudades tuas. De sentir a tua mão no meu cabelo enquanto
adormecia… Tenho saudades! A mamã está sempre a gritar comigo porque lhe digo
que falo contigo. Que apesar de não te ver, continuas a existir na minha vida.
Eu sei que tem sido difícil para ela, desde que morreste. Ela ficou com os
problemas todos e anda sempre preocupada. Sabes que nunca liguei muito ao que
vocês faziam. Vocês davam-me sempre os brinquedos que eu queria. E eu vivia
feliz! Adorava sentar-me no teu colo enquanto falavas com os senhores de fato.
Era divertido! Tenho saudades disso. Sinto-me sozinha. A Minie está cada vez
menos tempo em casa. E
quando está, parece que anda a dormir. Já não falo com ela há muito tempo. A
única pessoa com quem falo às vezes é com o Franco. Nunca fomos muito amigos,
mas depois da tua morte, o pai dele tem estado muito por aqui. É um rapazinho
muito simpático. E eu sinto-me tão sozinha. Como se não fosse deste mundo. Como
tu. Queria tanto estar contigo. Tenho saudades tuas. E tu, tens saudades da tua
Benedita? (deita-se)
(chega a Deusa que se
agacha, faz-lhe uma festa no cabelo e afasta-se; chega o Diabo que olha para
ela, encolhe os ombros e afasta-se; apagam-se as luzes)
II
Acto
(acende-se a luz do divã)
Narrador:
Pois bem, começamos a
perceber os contornos da estória. Bem sei que não é fácil, mas confio na vossa
capacidade para encontrar o fio principal desta teia.
Sofia:
Então o que tem?
Salvador:
Acho que estou a perder a
minha vocação!
Sofia:
Vocação? Não me diga que é
padre?
Salvador:
Claro que sou padre. Não vê
que estou de batina?
Sofia:
Ai que giro! Pensei que nós
é que nos confessávamos aos padres. Nunca pensei que também viessem ao
psiquiatra! Mas tem lógica, também precisam de conversar…
Salvador:
Claro que vimos aos
psiquiatras. O facto de termos fé não quer dizer que não tenhamos que
desabafar. Sobretudo quando temos dúvidas.
Sofia:
Dúvidas de quê? Já não
acredita em Deus?
Salvador:
Claro que acredito em Deus!
Não sei é se tenho forças para servi-lo.
Sofia:
Pois, imagino. Todas as
coisas que vocês pregam. Não roubar, não mentir, etc. E vocês têm aquela coisa
da castidade…
Salvador:
Sim, o voto de castidade. É
justamente esse o problema! (suspira)
Sofia:
Ai é? Não me diga que
encontrou uma mulher que o faz cair em tentação? Perdoe-me, senhor padre, mas o
que acho anormal é as pessoas não sentirem isso. Nunca percebi como é que vocês
aguentam.
Salvador:
Até há pouco tempo nem
pensava nisso! Mas há uma mulher especial. Sempre houve, aliás, mas agora está
a fazer com que ponha em causa muita coisa. Até o sacerdócio…
Sofia:
Pois, acredito! Deve ser
algo forte. Uma paixão antiga, não? Aposto que para o senhor padre pensar em
deixar o sacerdócio, é uma mulher às direitas. Cheia de virtudes. Uma mulher
modelo.
Salvador:
Pois… Não é bem o caso… Pelo
contrário, até…Mente, engana… Tem muitos defeitos, mas…
Sofia:
Mas o senhor padre gosta
dela! Agora entendo o seu problema. Por um lado, a pessoa que gosta. Por outro,
o… o… Deus! Que pensa fazer?
Salvador:
Não sei! Por isso vim até
aqui. A ver se a Doutora me ajudava a perceber o que vai na minha cabeça…
Sofia:
Eu? Mas eu não adivinho o
que prefere. Percebo que é uma pessoa ligada a Deus, mas o facto de vir aqui
mostra que está com muitas dúvidas.
Salvador:
Pois, é essa a questão. E eu
não posso pedir-lhe que decida por mim. Mas ao menos serviu para desabafar…
Muito obrigado, Doutora! (levanta-se e sai)
Sofia:
Que giro! Hoje parecia que
era o Padre que estava no confessionário. Esqueci-me foi de dar a penitência…
(apaga-se a luz do divã;
acende-se outra luz)
Bárbara:
É claro que preferia
defender pobrezinhos e causas mais nobres! Mas aqui ganho muito dinheiro. E sou
boa no que faço. Aliás, sou excelente a defender criminosos. Pagam-me e eu
safo-os. Mas quem é que ele pensa que é para me vir dar sermões sobre estar
certa ou errada. Lá porque é padre, não tem direito para julgar a minha vida.
Se eu faço as coisas pela lei, não há nada de errado. E nem é pecado!
Moralista! Ele devia era pegar com a minha irmã por estar sempre a soltar os
criminosos da pior espécie. Mas só porque é juíza, ele defende-a. Até parece
que não tenho sentimentos! (pausa) Só que escolhi ganhar mais dinheiro. Há mais
advogados a fazer o mesmo. Não sou a única…(pausa) E o que é que ele quis dizer
quando disse que sempre gostou de mim? E que não me disse porque descobriu a
vocação? Que raio é isso da vocação? Se ele gostava de mim, devia ter-me dito.
Nunca lhe disse que gostava dele porque pensei que ele gostava da Cândida. Eram
tão chegados! Sempre juntos e com segredos. Cheguei a ter ciúmes da minha irmã…
E depois entrou no seminário. Nunca mais pensei nisso até ele ter falado nisto…
E para que é que ele falou? Agora sinto-me estranha… (pausa) Quanto aos
clientes, quando a ele, quanto à minha vida! Raios o partam! Nunca pensei que
me afectasse tanto. Adoro o que faço, mas parece-me que por ele deixava tudo.
Ai, Bárbara, Bárbara, ele está a dar-te a volta… (pára)
Deusa:
Ah ah! Grande padre, que
está a dar-lhe a volta! Que me dizes disto? Uma advogada que defende criminosos
por dinheiro a querer abandonar o seu trabalho…
Diabo:
Não sei não! Vejo um padre
em apuros… Alguém que, por causa de uma mulher sem escrúpulos, está a ter
dúvidas da sua vocação. Parece-me que vais ficar sem um servo… Ah ah!
Deusa:
O facto de ele deixar de ser
padre, não quer dizer que deixe de acreditar. Esqueces-te que o Amor é sinónimo
de Bem?
Diabo:
Quando se transforma em
ciúme e ódio, não. A ver vamos…Eu aposto na advogada!
(apaga-se a luz; acende-se
uma luz, simulando um tribunal)
Cândida:
Senhor António Duro,
conhecido por Tony Hard, sabe porque está aqui?
Tony:
Não, senhora juíza!
Cândida:
O senhor foi acusado de
vários crimes. Ameaças, agressões e até homicídios! Isto ainda não é um
julgamento, mas uma audiência preliminar. Percebe o que lhe disse?
Tony:
Sim, senhora juíza!
Cândida:
E o que me tem a dizer?
Tenho aqui mais de uma dezena de casos, com testemunhas.
Tony:
Testemunhas? Não acredito.
Gostava de saber quem são. (sorri desdenhosamente)
Cândida:
Bem, é claro que não lhe vou
dizer quem são. Até porque me disseram que tinha fama de não deixar pistas.
Tony:
Pois, quanto a isso nada a
fazer. Sem provas, nada a fazer… (sorri)
Cândida:
Provas físicas não terei.
Mas foi-me dito que há alguém que o pode incriminar…
Tony:
Quem? (mostra sinais de
nervosismo)
Cândida:
Não sei se lhe posso dizer.
Como é alguém próximo de si, tenho receio que reaja mal… (sorri)
Tony:
Alguém próximo?
(inquieta-se) Com certeza que está a fazer bluff.
Cândida:
Sou conhecida por ser
benevolente, não de mentir. Posso não ter forma de provar, mas posso chamar a
depor alguém que o faria passar a vida toda na prisão. Mas sei também que
tiraria o pai a um filho…
Tony:
(já não esconde o
nervosismo) O meu filho? Porque falou nele? Ele não tem culpa de nada. É um bom
miúdo. Nunca fez nada de errado…
Cândida:
Tenho a certeza que sim. Mas
também sei que tem um pequeno problema com a verdade. Ou melhor, não tem
problema nenhum porque só sabe dizer a verdade. Calculo que para um…pai como o
senhor seja complicado! Quer que o faça depor? (firme)
Tony:
(triste) Não. Não que receie
passar o resto da vida na prisão! Mas porque não quereria que o miúdo pensasse
que pôs o pai na prisão. (mostra humanidade) Sei que fiz muitas coisas erradas
na minha vida, mas ele foi a mais certa de todas.
Cândida:
(vacilo) Quando o seu caso
me veio parar às mãos, pensei que faria um brilharete! Condenaria um criminoso
e receberia um louvor. Quando soube que teria que usar o seu filho, hesitei.
Custa-me usar uma criança. Mas eu não sei se posso perder a hipótese de o
prender. Como sei que não volta a fazer o mesmo?
Tony:
Quando entrei aqui estava seguro
que nada me aconteceria. Sei o que faço e como o faço. Não são coisas boas mas
são bem-feitas. Mas o facto de ter falado no meu filho alterou as coisas,
Sempre consegui mantê-lo fora dos meus problemas, mas agora seria impossível.
Não o quero perder, e nem que ele pense que fez algo de errado. Tudo menos
faze-lo sofrer!
Cândida:
Talvez esteja a ser enganada
mais uma vez. Talvez alguém me surpreenda com o seu arrependimento. Vou
deixa-lo ir, com uma condição. Que largue tudo e que se torne pai a tempo
inteiro. Quero vê-los todas as semanas e falarei com ele, para saber como se
sente. Como mulher e não juíza.
Tony:
Bem sei que já deve ter
ouvido isto, mas eu vou mudar! Por ele! (pela primeira vez vê-se um sorriso de
felicidade) E se tiver o seu apoio, melhor… (ambos param)
Narrador:
Ficou a promessa! Será mais
uma desilusão para Cândida? Será que Tony largará tudo pelo filho? Meus amigos
e minhas amigas, nunca se sabe…
(apaga-se a luz; acende-se a
luz do divã)
Sofia:
Então o que tem?
Bernardo:
Nada!
Sofia:
Nada? Então o que está aqui
a fazer?
Bernardo:
Fui condenado por um
tribunal a umas sessões com um psiquiatra. Era isso ou uns dias na prisão.
Sofia:
Ah, sim? E o que foi que
fez? Coisa boa não foi…
Bernardo:
Por acaso até foi bem boa.
Ah ah! Conduta imprópria, atentado ao pudor, libertinagem e mais não sei o quê…
Uma data de nomes para o que chamo diversão! Ah ah
Sofia:
Diversão? Mas isso não é um
crime. Afinal, o que aconteceu?
Bernardo:
Fui apanhado a enrolar-me
com uma miúda numa discoteca. E depois com outras duas no meio da rua. Ah ah!
Estava a ser uma bela noite…
Sofia:
Com mulheres diferentes? Na
mesma noite? E no meio da rua. Mas porquê?
Bernardo:
Porque sou jovem! Porque a
vida é feita para viver! Porque se posso ter várias mulheres, para quê
contentar-me com uma… Sou o derradeiro altruísta, o homem que se dá a muitas
mulheres. Ah ah!
Sofia:
Parece-me que é o derradeiro
imbecil. Ou egoísta. Ou melhor, medroso…
Bernardo:
O quê? Medroso? Não tenho
medo de nada…
Sofia:
Tem, tem! E agora percebo
porque foi mandado para cá. Por baixo dessa capa de playboy engatatão, está um
homem com um medo terrível de ficar sozinho. Sabe muito bem que esse estilo de
vida serve para encobrir o facto de ter 30 e tal anos e de ninguém gostar de
si… Aposto que ninguém foi ao tribunal consigo. E que se morresse amanhã
ninguém sentia falta. Pelo menos durante um mês. Não, meu caro, esse
comportamento é de alguém medroso e inseguro. Para estarmos numa relação forte,
precisamos gostar de outra pessoa e de termos auto-confiança. Aposto que é
daqueles que se leva uma tampa num engate, parte logo para outra. Porque não
sabe lidar com a rejeição.
Bernardo:
(desconfortável) Não! Porque
existem muitas mulheres no mundo…
Sofia:
Oh amigo, isso é desculpa.
Não consegue é levar um não e ter força para transformar em sim. E depois só consegue
as mulheres fáceis ou bêbadas. Ou seja, vazias.
Bernardo:
Claro que conseguia lutar
por alguém! Se quisesse… E uma mulher interessante… Sóbria…
Sofia:
Ah ah! Agora sou eu que me
rio. Vai uma aposta? Se me apresentar um caso, dispenso-o das outras consultas
comigo. Aceita ou tem medo?
Bernardo:
Claro que aceito! Detesto
perder. (Levanta-se e sai)
Sofia:
Ainda não percebeu que mesmo
perdendo a aposta, eu ganho no tratamento…
(apaga-se a luz do divã;
acende-se outra luz)
Vera:
Ui, que está quase, quase!
Vi o criado a ser levado a tribunal. Com o que sei dele, vai parar à prisão em
dois tempos. E nessa altura, ponho tudo no jornal. Conto as coisas dele, as da
patroa, as da filha da patroa, as do ex-patrão… Enfim, de todos… E aí quero
receber tudo o que tenho direito. Quem sabe um prémio internacional. E convites
para trabalhar em grandes jornais. Serei a melhor jornalista do mundo. E a mais
bem paga, claro…
(apaga-se a luz; acende-se a
luz do divã)
Sofia:
Então o que tem?
Purificação:
Não sei, doutora! Estou um
pouco perdida. Soube há pouco que o meu irmão foi chamado a depor e nem sei o
que aconteceu. Estou preocupada com o meu sobrinho, porque…
Sofia:
(interrompe) Mas, vai falar
de si ou da sua família?
Purificação:
Pois é, lá estou eu a
preocupar-me com os outros. Eu sou assim. Se bem que devia tentar arranjar a
minha vida.
Sofia:
Mas o que tem então a sua
vida?
Purificação:
Gostava de encontrar alguém.
Um homem que me preenchesse. Que gostasse de mim. Que fosse calmo, apaixonado,
que me fizesse feliz.
Sofia:
Também eu queria. Já ficava
feliz se fosse uma pessoa que gostasse de mim, mesmo que tivesse defeitos.
Purificação:
Ah, não! Não queria
entregar-me a um qualquer. Tenho a certeza que há por aí um homem bom para mim.
Sofia:
Minha querida, os homens tem
todos defeitos e muitos até os escondem a princípio. Mas o importante é que as
pessoas gostem uma da outra. Aposto que vai acabar por se apaixonar por uma
pessoa que não tem essas qualidades todas.
Purificação:
Mas como é possível eu
gostar de uma pessoa sem valores? Isso iria contra tudo que acredito.
Sofia:
Porque o amor é o valor mais
forte. Acredite em mim. Abra
o coração e vai ver que se encontra a si mesma.
Purificação:
Não sei, não sei. A doutora
ainda me deixou mais perdida. (levanta-se e sai)
Sofia:
Sou psiquiatra, não
vendedora de mapas…
(apaga-se a luz do divã;
acende-se outra luz, simulando uma esquadra da polícia)
Jorge:
Pois é, finalmente
encontramo-nos.
Minie:
Mas porque estou aqui?
Jorge:
Não sei se sabe mas António
Duro, aliás Tony Hard, foi hoje presente à juíza. Há indícios de múltiplos
crimes a mando do seu pai, da sua mãe e… da menina.
Minie:
Não me chame menina!
(descontrola-se) Sou uma mulher… (acalma-se) Todos os crimes vão dar em nada. Não há provas!
Jorge:
Está muito certa disso. Quem
lhe diz que ele não confessou tudo? (sorri)
Minie:
Ah ah! Não acredito. A
lealdade do Tony não tem limites.
Jorge:
Toda a gente tem um ponto
fraco! Dizem que o dele é o filho…
Minie:
(inquieta) O Franco? O que é
que ele tem? Falaram com ele?
Jorge:
Ficou nervosa? Julguei que
não tinha razões para isso. Mas se calhar enganei-me.
Minie:
Como disse antes, todos
temos um ponto fraco. (assume pose sedutora) Qual é o seu? Dinheiro, um posto
melhor…
Jorge:
(desconfortável) O dinheiro
não me interessa. Não aceito subornos.
Minie:
Mas nem tudo é dinheiro. Há
outras coisas na vida. Bem mais duradouras. Ainda por cima um homem assim…
Novo, bonito, livre…
Jorge:
Como é que sabe que sou
livre?
Minie:
Arrisquei. Sabe como é, quem
não arrisca não petisca.
Jorge:
Pois é! Mas o pior é quando
o que queremos se arrisca a ir dentro durante muito tempo.
Minie:
Isso cabe-lhe a si decidir!
Podíamos ter um novo começo… Bem, se não tem mais nada a dizer, vou indo.
(levanta-se) Pense no que lhe disse… (sai)
Jorge:
Esta miúda tira-me do sério…
(apaga-se a luz; acende-se a
luz do divã)
Sofia:
Então o que tem?
(reconhece-o) Ui, é o Dr. João Janus, não é? O cirurgião?
João:
Sim, sou eu…
Sofia:
Adoro o seu trabalho! Ou
melhor, ouvi dizer que foi o senhor que fez alguns arranjos em famosos.
João:
Sim, já tive clientes
famosos, mas não posso dizer quem são. Ainda agora tenho uns possíveis clientes
que ainda me fariam mais rico…
Sofia:
Pois! Bela vida… Mas se a
vida lhe corre bem porque está aqui?
João:
Porque conheci uma mulher
linda e perfeita.
Sofia:
Ah ah! E qual é o problema
disso? Acho que toda a gente queria ter esse problema…
João:
Mas eu não sei lidar com uma
pessoa assim. Ela procurou-me para eu a por bonita e eu não mudava nada nela. Mas
não a consegui convencer disso. Se mudar alguma coisa, estrago!
Sofia:
Mas então ela é assim bonita
e quer mudar? Há pessoas mesmo estranhas. É o que eu digo: “Deus dá nozes a
quem não tem dentes”. Ou melhor: “Deus dá dentes a quem não tem nozes”!
João:
Sim, Doutora, mas o que
hei-de fazer? Eu gosto dela assim e não a quero mudar.
Sofia:
Então, não mude! Ela tem
problemas de auto-estima. Se lhe disser que fez a operação, mesmo que não mude
nada, ela vai achar que ficou linda. Porque confia em si…
João:
Mas estaria a mentir-lhe…
Não seria ético… Não podia cobrar por uma operação que não fiz.
Sofia:
Não cobre! Paga-lhe com o
amor…
João:
É isso mesmo. Isso é genial!
Obrigado, doutora! Não sei como lhe agradecer…
Sofia:
Ah ah! Eu passo pela sua
clínica para fazer umas modificações.
João:
Pois, pode ser. Ficamos
combinados! (levanta-se e sai)
Sofia:
Olha, que parvo! Devia dizer
que eu não preciso, que estou bem assim. Aposto que sou mais gira que a outra…
(apaga-se a luz do divã;
acende-se outra luz)
Diva:
Nem acredito que o Doutor me
vai fazer bonita! Finalmente, vou mostrar à minha mãe como sou bela. Sempre a
dizer-me para não comer porque estou gorda e que as outras modelos são muito
mais bonitas. Agora já não vai poder dizer isso! Nem sei o que o Doutor me vai
fazer, mas eu confio nele. Ele foi um querido a dizer que eu não precisava de
nada, mas é claro que estava a mentir. Um homem como ele, habituado a ver
mulheres lindas. A faze-las ainda mais bonitas. E ainda por cima é um homem
bonito, com gosto! Será que ele é casado? Se calhar está à espera de uma mulher
perfeita. Depois da operação vou-lhe perguntar se quer ficar comigo. Ah ah! Se
ele disser sim, tenho a certeza que fiquei bem. É mesmo isso! Será a forma de
eu ver como é que fiquei… Nunca mais ninguém vai dizer que sou feia! (fica
parada)
Diabo:
Feia?? Esta rapariga deve
ver mal. Ela é uma tentação e eu adoro tentações. Olha lá, a vaidade não é do
meu lado?
Deusa:
Qual vaidade? Não vês que o
que ela tem é baixa auto-estima. Ela não vai fazer a operação por vaidade, mas
porque não consegue ver que é linda.
Diabo:
Mas não é a beleza interior
que conta? Ahah
Deusa:
Sim, e ela é um doce. Mas
importa também que ela se sinta bem com ela mesma.
Diabo:
Que ela é um doce, lá isso
não há dúvidas! Se ela fosse para os meus lados, fazia dela uma diabinha…
Deusa:
Afasta-te lá, Satanás! Cada
um escolhe o seu caminho…
(apaga-se a luz: acende-se a
luz do divã)
Sofia:
Então o que tem?
Mila:
Ah, Signora Doutora, no lo
so! Foi por poco, foi por poco…
Sofia:
Que giro, a senhora fala
tudo misturado! O que foi por «poco»? (ri-se)
Mila:
Quase che era scoperta!
Quando Tony foi para il tribunale, no sapeva se io também ia. Já não aguento
piú…
Sofia:
Mas o que já não aguenta
«piú»? (ri-se)
Mila:
Tutto! Il crime,
l’organizzzione, las mias filhas… E dopo questa sensazione que qualcosa non va
bene!
Sofia:
O que não vai «bene»?
(ri-se)
Mila:
Qualcosa! Adesso é il mio
contabilista que quer parlare con me. Dice que é molto importante…
Sofia:
E o que acha que é «molto
importante»? (ri-se)
Mila:
No lo so! Pero, la dotoressa
solo se ride… Sono qui a dire que tengo problemi e voi si ride…
Sofia:
Peço desculpa, mas a sua
maneira de falar é engraçada. É difícil concentrar! Estava a dizer que está com
problemas com o contabilista…
Mila:
Eu no tengo problemi con il
contabilista! In fatti, é un bello ragazzo… Un poco
stronzo, ma vero! Mi piace…
Sofia:
Ah, sim? Gosta do
contabilista? Então nem tudo é mau…
Mila:
Si, gosto dele! Un uomo
integro. Mesmo quando fá coisas ilegales per me.
Sofia:
Se calhar faz porque gosta
de si…
Mila:
No lo so! Una cosa piú per
pensare… Ah, dotoressa, me ne vado embora. La mia vitta sta dificile…
(levanta-se e sai)
Sofia:
Ia jurar que tinha falado
com um contabilista há pouco tempo! Tenho de começar a anotar estas coisas. Ou
melhor, queste cose! (ri-se)
(apaga-se a luz do divã;
acende-se outra luz)
Arménio:
(falando sozinho) O encontro
está marcado! Agora é tudo ou nada… Ah, Mila, Mila! Sempre que penso em ti, o
meu coração dispara. Agora tenho coragem de assumir o meu amor por ti. Parece
que ganhei força! Até me tenho sentido melhor. As crises e os tiques quase
desapareceram. Já nem penso em números. (pausa) Quer dizer, nos números penso.
Porque o meu amor está metido em problemas. Pode até ir para a prisão. (pára) Isso
é que não! (começa a andar de um lado para o outro e a falar mais depressa) Ela
não pode ser presa. Eu não posso ficar sem ela! Tenho de a salvar! Arranjar uma
maneira de conseguir que ela fique livre. Para podermos ficar os dois!
(acalma-se) Isso sim! Os dois juntos… Perfeito! Só tenho é de lhe mostrar o meu
amor… (pára)
Deusa:
Que bonito, o Amor!
Diabo:
Estás a brincar, certo? O
gajo diz que vai fazer trafulhices para salvar uma criminosa da pior espécie da
prisão e tu falas em Amor?
Deusa:
Eu sei disso! Mas ele tem um
coração puro e nobre. Gosta dela e quer fazer tudo para a salvar.
Diabo:
Tretas! E tu sabes disso…
(apaga-se a luz; acende-se a
luz do divã)
Sofia:
Então o que tem?
Benedita:
Dizem que sou doida porque
falo com o meu pai.
Sofia:
Doida por falar com o pai?
Essa é nova!
Benedita:
Pois! Mas é o que dizem… Não
é, Papá? Eles dizem que sou maluca por falar contigo…
Sofia:
Papá? Mas só estou eu aqui.
Onde está o seu pai?
Benedita:
Está aqui! Ele está sempre
comigo. Nunca me sinto sozinha. Não é, Papá?
Sofia:
Já estou a entender. O seu
pai… (hesito) Ele já partiu, não foi?
Benedita:
Partiu? Não, ele está aqui.
Aliás, ele agora passa mais tempo comigo do que quando…
Sofia:
… estava vivo?
Benedita:
Não! Ele está sempre vivo.
Não percebo porque as pessoas dizem que ele morreu. Só porque não aparece a
todos? Isso não quer dizer que ele tenha morrido. Quer dizer que está presente
só para quem merece. Se não, para os cegos toda a gente estava morta. São os
olhos do coração que vêem realmente…
Sofia:
(emociona-se) Sim, tem
razão! Eu tenho saudades do meu pai. Já não falo com ele há muito… (esconde a
cara)
Benedita:
(levanta-se e põe a mão na
cabeça de Sofia) Isso é só porque não tem ouvido bem. Tem de estar atenta. As
pessoas que nos amam estão sempre a falar connosco. Basta saber escutar… (sai)
Sofia:
(chora um pouco, levanta a
cabeça e sorri) Ela tem razão! Os doidos somos nós…
(apaga-se a luz do divã;
acende-se outra luz)
Franco:
(fala sozinho) Que senhora
simpática! Fez-me lembrar a mamã… Disse que gostava muito de mim e que não
queria que me acontecesse nada. E depois falou no papá. Que não me preocupasse,
porque confiava nele. Ainda bem que não me perguntou o que ele faz. Gostei
mesmo dela! Até lhe contei da minha doença. Ela disse para não me preocupar porque
é melhor só falar verdade do que só mentir. É verdade! A Benedita também diz o
mesmo. Também gosto de falar com ela, nunca se zanga comigo. Mesmo quando digo
que ela fala sozinha. Mas, pensando bem, até eu falo sozinho. Somos todos
doidos! Grande verdade… (senta-se e fica parado; a Deusa aproxima-se, faz-lhe
um carinho na cabeça e afasta-se; chega o Diabo que olha para ele, encolhe os
ombros e afasta-se; apagam-se as luzes)
III
Acto
(acende-se uma luz)
Arménio:
Boa noite, senhora Fortuna!
Mila:
Buona sera! Per favore,
chiamame Mila.
Arménio:
Muito bem, senhora Mila!
Trate-me por Arménio.
Mila:
Arménio, lascia la signora!
Sono Mila. De que cosa dobbiamo parlare?
Arménio:
Pois bem, (hesita) Mila!
Queria falar sobre (gagueja) … sobre… contas! Há um problema com as suas
contas!
Mila:
Ma io ti pago per non havere
problemi…
Arménio:
Sim, eu sei! E tenho
conseguido ter tudo em
ordem. Os negócios, as loucuras da sua filha… Mas agora é
demais. O fisco mandou investigar as suas contas todas e eu não posso fazer
nada…
Mila:
Mas não consegue resolver? E
subornare gli inspetore?
Arménio:
Pensei nisso, mas é difícil!
Há uma ordem de tribunal por causa dos outros… problemas.
Mila:
Si, pêro l’altri problemi
sono piú facile. Non posso credere que vado in prigione per causa del fisco.
Non sono Al Capone.
Arménio:
Pois! Também não quero isso…
Mila:
Ed allora, che cosa facciamo
adesso?
Arménio:
Sabe, tenho passados as
últimas noites sem dormir a pensar numa solução. Já pensei em tudo, mas só vejo
uma possibilidade. Não é fácil…
Mila:
Diga-me (agarra-lhe a mão),
diga-me qual é…
Arménio:
Fechar as contas fora do
país, passar tudo para o nome das suas filhas e fugir para um país sem acordo
de extradição.
Mila:
Abandonare tutto? Lasciare
tutto a Minie e Benedetta?
Arménio:
Eu sei que não é fácil…Mas é
a única maneira…
Mila:
E ficava sola noutro pais?
Senza nessuno…
Arménio:
(enche o peito de ar) Eu
podia fugir contigo! Não consigo esconder-te mais. Eu sou doido por ti. Não
aguentava ver-te na prisão mas a hipótese de te ver partir também me dói.
Mila:
Che carino! Tu sai che io
também ti voglio bene. Sei un uomo molto buono. No lo so se mereço un uomo
assi… Tu sai il mio passato…
Arménio:
Não me interessa o passado.
Interessa-me o futuro contigo… Deixa-me tratar de tudo! Em alguns dias, tudo
estará pronto. (agarra-lhe as mãos)
Mila:
Si, confio em ti la mia
vitta! Voglio partire con te… (abraçam-se e ficam parados)
Deusa:
Que bonito! Vês? Ele fez com
que ela deixasse a vida do crime…
Diabo:
Fazendo ilegalidades! Ahah
És um pouco parcial. Para ti não interessa o caminho, desde que tudo acabe do
teu lado.
Deusa:
Os sentimentos deles são
puros!
Diabo:
Minha linda, puro aqui só o
ar…
(apaga-se a luz; acende-se
outra luz)
João:
(fala sozinho) Eu não sei se
fiz bem, mas agora está feito! Eu bem sei que não é correcto, mas eu não
consegui mudar nada naquele anjo. Pela primeira vez estava com o bisturi na mão
e não consegui fazer um único corte. Nada! E isso assusta-me. Assusta-me ter
finalmente encontrado uma mulher que não precisei de moldar. Ela é perfeita… Só
queria que ela me perdoasse. Vou seguir o conselho da doutora e confessar-lhe o
meu amor. Só assim ela poderá entender que não tenha mudado nada. Depois de a
ter visto, as outras mulheres ainda me parecem mais imperfeitas. Eu que sempre
fui um fanático pela beleza, encontrei a minha musa. A minha Diva! Vou
declarar-me e rezar… (fica parado)
Deusa:
Fazes muito bem em fazer
essas duas coisas…
(apaga-se a luz; acende-se a
luz do divã)
Sofia:
Então o que tem?
Diva:
Doutora, estou super
chateada! Fui fazer uma operação para ficar bonita e…
Sofia:
Resultou! É lindíssima…
Diva:
O quê? Mas eu já era assim.
Ela não me fez nada. E como se não bastasse ainda teve a lata de dizer que me
amava.
Sofia:
Mas quem?
Diva:
Quem me operou! O Doutor
João Janus. Foi a ele que pedi para me tornar bonita.
Sofia:
Ah, então você é a tal! Ele
tinha razão. Você é muito bonita…
Diva:
Quem? Agora sou eu que não
estou a entender.
Sofia:
Eu não devia contar isto mas
o Dr. João Janus esteve aqui e falou de si. Que tinha encontrado uma mulher
perfeita, que ela lhe tinha pedido para ser operada e que não sabia o que
fazer. Fui eu que disse para não fazer nada.
Diva:
A Doutora disse-lhe para não
mexer em nada?
Sofia:
E agora tenho a certeza que
estava certa! O seu problema não é físico, mas na sua cabeça. Ele fez muito bem
em não ter operado. Diga-me uma coisa: depois de achar que foi operada, o que
sentiu quando se viu ao espelho?
Diva:
Que estava linda!
Sofia:
Pois, ou seja, pensou que
ele a tinha mudado e pela primeira vez viu-se verdadeiramente. Para mim o
Doutor fez muito bem! Arriscou-se a que você o processasse mas fez o que o
coração mandou. E essa é uma bela declaração de amor.
Diva:
Sim… Quer dizer… Tem razão…
Agora já gosto mais do que vejo no espelho…
Sofia:
Pois é! Então cale-se,
aprecie-se e vá ter com ele…
Diva:
Sim, Doutora! Muito
obrigada! Vou ter com ele. (levanta-se e sai)
Diabo:
Isso é que foi pena… Estaria
muito melhor comigo…
(apaga-se a luz do divã;
acende-se outra luz)
Purificação:
(tropeça e cai) Aii!!
Bernardo:
(ajoelhando-se) Está bem?
Magoou-se? Quer que a ajude?
Purificação:
(olhando para Rico)
Obrigada! Estou bem! (levantando-se com a ajuda dele) Muito obrigada, é um
cavalheiro. Um homem com valores.
Bernardo:
Ah, obrigado! (embaraçado)
Não fiz nada de especial...
Purificação:
Fez! Bastou um momento para
eu perceber que é uma boa pessoa. É raro encontrar alguém assim…
Bernardo:
Olhe que tenho muitos
defeitos. Não tenho muito orgulho no meu passado. Sobretudo com mulheres…
Purificação:
A sério? Mas parece-me uma
pessoa atenciosa.
Bernardo:
Vou contar-lhe a verdade!
Depois de fazer muitas asneiras, acabei numa consulta do psiquiatra e certas
coisas que ouvi fizeram com que pensasse na minha vida.
Purificação:
Que engraçado! Também fiz
uma visita ao psiquiatra há pouco tempo. Eu preocupava-me muito em encontrar o
príncipe perfeito e a doutora disse que me ia apaixonar por alguém com
defeitos. Fizemos uma aposta…
Bernardo:
Eu também fiz! Que ia
encontrar uma mulher interessante que gostasse de mim como sou…
Purificação:
Já viu? Se ficássemos
juntos, perdíamos os dois! (estende a mão) Sou a Purificação…
Bernardo:
(beijando-lhe a mão) Ou
ganhávamos os dois… (param)
Deusa:
Que lindo! Era o destino…
Diabo:
Sem comentários! Este era um
dos meus favoritos…
(apaga-se a luz; acende-se a
luz do divã)
Sofia:
Então o que tem?
Bárbara:
Oh, Doutora, não sei o que
fazer à minha vida. Quero um homem que não pode ser meu, mas que acho que se eu
quisesse conseguia ter…
Sofia:
E então? É casado?
Bárbara:
Sim… De certa forma… É
complicado… Estou habituada a ter o que quero. E é ele que eu quero. Nem
consigo concentrar-me no trabalho.
Sofia:
Mas ele gosta de si? Há
algum impedimento?
Bárbara:
Acho que sim, mas há um
obstáculo! Mas eu sei conseguia dar-lhe a volta. Estou disposta a tudo. Até
abandonar o meu trabalho…
Sofia:
Se é assim, arrisque! Não há
nada a perder…
Bárbara:
(levantando-se) Exactamente!
A Igreja é que pode perder um padre. Vou ter com ele… (sai)
Sofia:
Padre? Olha, queres ver que
é o outro…
(apaga-se a luz do divã;
acende-se outra luz)
Salvador:
(falando para cima) Mas
porquê, meu Deus? Porque me enviaste uma prova destas? Ao fim destes anos
todos, ela declarou-se. Declarou o seu amor por mim e disse que estava disposta
a mudar… Tenho sido um servo obediente e nunca pus em causa o sacerdócio. Mas
agora… ela estava a falar e só me apetecia beijá-la. Não consigo viver assim!
Eu sei que uma vocação não se abandona, mas eu não me sinto completamente
seguro da minha devoção. Bem sei que é desistir de algo no qual investi anos e
anos, mas tenho de procurar a minha felicidade. Continuarei a ter a minha fé,
apenas irei partilhar o meu amor com outra pessoa. Não sei se faço o correcto,
mas é o que sinto que devo fazer. (ajoelha-se e começa a rezar)
Deusa:
Não te preocupes! O teu
caminho é o do Bem. Com o teu Amor, conseguiste mudar uma pessoa para melhor…
Estás perdoado!
Diabo:
Pois, pois! Vamos ver é se o
padreco se adapta a ter de viver em pecado… da carne!
(apaga-se a luz; acende-se a
luz do divã)
Sofia:
Então, o que tem?
Tony:
Tenho medo, Doutora! Tinha
uma profissão nada recomendável e era bom nisso. Agora tive uma segunda
oportunidade para ter uma boa vida e tenho medo de não saber aproveitar.
Sofia:
Mas se tem essa sorte, deve
aproveitar! De que tem medo?
Tony:
É sempre mais fácil destruir
do que construir. Tenho o meu filho para cuidar, conheci uma pessoa de quem
começo a gostar. Mas tenho receio de não saber viver com tantas coisas boas.
Sofia:
Eu acho que senhor mostra
vontade de aproveitar. Os receios são normais. Viva a vida sem pensar nas
coisas más…
Tony:
Muito obrigado, Doutora! De
facto, tenho de enfrentar a vida e agradecer esta segunda oportunidade. (sai)
Sofia:
Que senhor simpático!
Daqueles que não fazem mal a ninguém.
(apaga-se a luz do divã;
acende-se outra luz)
Cândida:
(fala sozinha) Feliz, feliz!
Finalmente. Consegui que alguém se regenerasse… Bem sei que arrisquei muito!
Era um criminoso perigoso! Mas resultou… E depois aquele miúdo é adorável.
Desde que o vi pela primeira vez, me apetece adopta-lo. Decidi não lhe falar do
pai para não ficar com remorsos de alguma verdade. E quando ele me disse que
gostava de mim, fiquei tão feliz. Tudo deu certo! Bem sei que ele deve estar
com receio de não ser um bom pai ou bom companheiro mas eu vou ajudá-lo. Não
posso perder esta oportunidade de provar que as pessoas têm direito ao perdão…
(pára a sorrir)
Deusa:
Claro que sim! E esta é a
prova… O Bem é mais forte.
Diabo:
Oh, o que ele teve foi medo
de ir para a prisão! E ela perdoou uma pessoa que já matou muitas. E não
sabemos se ele não vai ter uma recaída.
Deusa:
Com o amor dela e do filho,
não vai ter nada disso.
(apaga-se a luz; acende-se
outra luz)
Franco:
(Benedita está sentada no
chão) Oi, Benedita! Como estás?
Benedita:
Olá, Franco! Está tudo bem.
Estou aqui a pensar…
Franco:
É verdade que a tua mãe vai
embora?
Benedita:
Sim! Disse que precisava
sair do país, que eu ia ficar com o dinheiro todo…
Franco:
E vais ficar sozinha?
Ficaste chateada com ela?
Benedita:
Não, ela pareceu-me feliz!
Disse que gostava muito de mim e que um dia estaríamos juntas novamente. Fico
com a minha irmã e a minha mãe falou também com o teu pai. Ouvi dizer que
também tens novidades…
Franco:
Sim! Tou super feliz. O meu
pai agora está bem. Conheceu uma senhora muito simpática. Gosto muito dela!
Faz-me lembrar a minha mãe. Isso quer dizer que vais ficar connosco?
Benedita:
Sim, vou estar mais tempo
convosco…
Franco:
Fico contente! Gosto muito
de ti, Benedita…
Benedita:
E eu de ti, meu amigo!
(deitam-se e fecham os olhos)
Deusa:
(aproximando-se dos dois) Os
meus dois anjos! Bem felizes… Perfeito… (afasta-se)
Diabo:
(aproxima-se, encolhe os
ombros) Bah! (afasta-se)
(apaga-se a luz; acende-se a
luz do divã)
Sofia:
Então o que tem?
Jorge:
Doutora, acho que vou fazer
uma asneira enorme. Uma não, várias! Vou deixar a polícia porque vou fugir com
uma criminosa que me apaixonei. Diga-me que sou louco.
Sofia:
Você é louco! Isso é uma
loucura. Nem sei que lhe dizer…
Jorge:
Pois é! Vou jogar a minha
carreira ao lixo e pôr a minha vida em risco. Mas aquela rapariga seduziu-me. Deixou-me
louco!
Sofia:
Pois, acredito! Só algo
muito forte pode levar um homem a cometer essa loucura. Não faça isso!
Jorge:
Vou fazê-lo! Já me decidi. O
resto do caso está perdido. A mãe vai fugir, o empregado não foi acusado. Foi
tudo por água abaixo… E eu vou fugir com ela…
Sofia:
Você é que sabe, mas eu não
entendo…
Jorge:
Nem eu… nem eu...
(levanta-se e sai)
Sofia:
Pode estar louco, mas está
seguro da decisão!
(apaga-se a luz do divã;
acende-se outra luz)
Minie:
(falando sozinha) Tudo
mudou! A mãe partiu, o Tony foi absolvido, eu e a Benedita ficamos com o
dinheiro, fui acusada de vários crimes e o Jorge abandonou a polícia para
fugirmos…Que loucura! Sim, é verdade que queria seduzi-lo para escapar, mas
nunca pensei que nos apaixonássemos. E agora fugir. Sem destino! Nem deu tempo
para despedir da Benedita. Vou ter saudades! É a minha maninha. Apesar de tudo
sempre quis o bem dela. Sei que ela vai ficar bem. E eu preciso começar de
novo. Com o Jorge! Sei que posso ter uma vida boa com ele. Ele é uma pessoa
boa. E o que ele está a abandonar por mim merece todo o meu esforço. Nunca
imaginei que isto fosse acabar tudo bem. (pára)
Diabo:
Bem para ti! O outro teve
que deixar tudo e ser tão criminoso como tu…
Deusa:
Sim, ele abandonou a polícia
mas ela regenerou-se.
Diabo:
Naaa! Isso ainda está para
ser visto. Para já ela desencaminhou-o a ele…
Deusa:
Porque se apaixonaram…
Diabo:
Porque ele o seduziu! Estes
não levas tu…
Deusa:
Só o futuro o dirá! Só aí
saberemos a Verdade. Por falar nisso…
(apaga-se a luz; acende-se
outra luz)
Vera:
Não posso crer! Tudo por
água abaixo… Tantas horas perdidas para descobrir a verdade. E agora…Nada… A
juíza absolveu o assassino! A criminosa fugiu com o contabilista! A miúda fugiu
com o polícia! A louca herdou o dinheiro todo! E que provas tenho? Nada… Não me
adianta nada escrever o artigo. Seria processada e despedida… Não sei o que
posso fazer… Tudo o que mais queria era escrever a verdade. Mas assim tudo
parece ficção. (pára) Só se…Alguns factos mais o que eu sei… É isso! (grita)
Vou escrever um livro. Agora está na moda e tudo. Com as personagens desta
história e as reviravoltas que isto deu, tenho aqui uma mina de ouro. Ah ah Bem
sei que não é tão nobre como o jornalismo, mas também da fama e dinheiro. E
isso é bom na mesma… (pára)
Diabo:
Ah, pois é! Eu gosto é
destas pessoas. Haja ganância e vaidade…
Deusa:
Oh, ela teve uma desilusão!
É normal que procure outra forma de se realizar.
Diabo:
Sim, sim! Admite que há
pessoas com defeitos. Ao longo desta história fomos vendo algumas. Houve
deslizes dos dois lados.
Deusa:
Sim, admito! Já andamos
nisto há tempo suficiente para saber que é normal. É o equilíbrio do mundo!
Entre o Bem e o Mal. O que interessa é que toda a gente fique feliz…
Diabo:
Toda?
(acende-se a luz do divã;
Sofia está deitada)
Sofia:
E eu fiquei sozinha! Tudo
encontrou o seu caminho. Não resta ninguém!
Narrador:
(ainda na penumbra) Então e
eu?
Sofia:
(sobressalta-se) Mas quem és
tu? Um fantasma? Deus?
Narrador:
(ainda escondido) Não sou
fantasma, mas não me vês. Não sou Deus, mas sei tudo, vejo tudo, oiço tudo.
Sofia:
E eu falo tudo! Ah ah
Narrador:
Sim, eu sei! Falas muito! Eu
falo quando é preciso… Mas gosto de ti…
Sofia:
Oh, que querido! Mas não
podes aparecer para mim?
Narrador:
Se eu aparecer a ti, passo a
ser uma personagem e perco esses poderes…
Sofia:
Mas eu não quero um
super-homem, quero um homem normal que goste de mim.
Narrador:
(aparecendo a Sofia,
pega-lhe na mão) Olá, sou o José… (abraçam-se)
Fim
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