O Pai Mineiro

ACTO I

O palco está sem luz. Uma voz narra um acidente numa mina. Há vários mineiros soterrados, mas não se sabe ao certo quantos porque a mina é ilegal. Ouvem-se gritos dos mineiros e das equipas de salvamento, que vão diminuindo até ao silêncio total. Acende-se agora uma luz vertical sobre uma pessoa que percebemos ser um mineiro. Tem as pernas esmagadas por uma pedra.

- Caralho, estava a ver que não se iam embora! Se me encontravam, estava fodido. Sei como estes gajos são. Primeiro fazem entrevistas por eu ter escapado e depois, quando se soubesse que sou ilegal, metiam-me dentro.
(a sua fala é rude mas calma)

- Mas eu não caio nessa. Para o diabo com eles! E esses vampiros de microfone são iguais. Cabrões que só se interessam por nós nas desgraças. E ainda assim tratam-nos por números. Feridos, mil, mortos, cem… Ao menos diziam o nome de cada um. Não! Não vou ser macaco de circo. Prefiro morrer cá em baixo…
(começa a tossir violentamente)

- Por este andar é mesmo aqui que fico. Que se foda! Acontece a todos. Não sou mais que os outros. E também não tive uma vida que deixasse saudade. São quarenta anos a trabalhar duro. Tive no campo, no mar, nas obras. E no caralho desta mina. Foda-se! Já me vi bem apertado. Tive as profissões que ninguém quer. Toda a gente quer comida, mas quem bate com o corpo na terra, são as gentes do campo. Querem peixe, e os pescadores morrem lá no meio do mar. Querem prédios para viver, e nem perguntam quantos pretos e brancos ficaram nos alicerces. E agora isto. Se calhar é de vez. Que seja! Não tenho medo. Nunca tive. E também parece que se foi tudo embora.
(fica em silêncio, tentando ouvir algo)

- Nada. É porque já anda a morrer gente noutro sítio qualquer. Já não sou notícia. Já não vou ser uma merda de um número no rodapé dum telejornal qualquer, enquanto um gajo qualquer dá outra notícia de merda. Por isso já nem vejo televisão. Para quê? Aquele mundo não interessa a ninguém. Não me dá de comer. Se me aparece um cabrão de um ministro a dizer que estamos muito bem, cuspo-lhe na cara.
(cospe)

- Aposto que nunca passou fome. Aposto que nunca teve um pai bêbado a bater na mulher e nos filhos. Aposto que não teve de fugir de casa só com a roupa no corpo e começar a trabalhar aos 15 anos. Sim, comi o pão que o diabo amassou. A primeira vez que tive com uma mulher foi nas putas com o resto dos gajos que trabalhavam comigo. Vi muita merda que esses gajos de gravata nem sonham. Trabalhei como um burro e não tive sorte nenhuma. E era o que mais me faltava um filho da mãe vir dizer que isto está uma maravilha. O caralho é que está! Está um nojo. Um gajo vai comprar pão e só compra uma merda de uma carcaça por um dinheirão. Onde está o pão que se comia dantes? Pão que sabia a pão e não plástico. Muitas vezes o comi duro como os cornos com aguardente pela manhã. Chamavam mata-bicho. Quantas vezes não era a única coisa que comia o dia inteiro…
(recomeça a tossir; pouco a pouco recompõe-se)

- Merda de vida! Não vi mais nada que não fosse trabalho. Nem amigos tive. Conheci muita gente. Uns pobres diabos, outros filhos da puta… A memória acabou por levar bons e maus. Não ficou nada. Que é isto?
(cala-se, enquanto se ouve durante uns momentos mais buscas; esconde-se ainda mais até que se vão embora)

- Porra, é que já nem é estes gajos descobrirem que sou ilegal. É não estar mesmo para que me encontrem. Não quero saber. Para o diabo com eles! Quando estava lá em cima, alguém me vinha procurar ou saber se precisava de alguma coisa? Não. Então o que é que mudou? Que raio de mundo é este que só nos importamos uns com os outros na desgraça? Os funerais tão sempre cheios de gente que em vida nos tratavam abaixo de cão. Cambada de filhos da puta! Lágrimas de crocodilo. Ainda me lembro quando a palavra de um gajo valia alguma coisa. Agora não vale porra nenhuma. Temos que assinar e mostrar documentos e mais não sei quê. Mas qual é a merda da diferença entre o que digo e o que escrevo? Não sai tudo da mesma cabeça? Não quer tudo dizer o que sinto? Caralho, não está cá ninguém para me responder. Nunca teve. O mundo está cada vez pior. Ainda no outro dia fui ao hospital e tive lá um dia inteiro. E juro que se conseguisse dar os pontos na minha cabeça, tinha vindo embora. Tive lá e vi sofrimento e miséria. Vi pessoas no limite das forças, sem conseguir dizer nada de nada. Vi aqueles que recebem dinheiro para cuidar das pessoas a não ligar nada e a maltratar quem estava ali. Porra, sei que devem estar fartos de ver morrer gente, mas então que vão fazer outra coisa qualquer! Se escolheram esse trabalho, é para fazer bem até ao fim. É por isso que recebem tanto. Eu tive que trabalhar duro porque deixei a escola. Eles estudaram e salvam vidas, merecem receber mais. Mas que tenham respeito pelas gentes. Que tenham respeito pela vida. Ninguém quer morrer. Podem é não se ralarem com a morte. Como eu. Quero lá saber que morra. Se me interessasse, começava a berrar para aqueles gajos me tirar daqui. Se tiver que ficar aqui, fico. O destino, diria um desses gajos que pensam que já viram muito. É a vida, digo eu que já vi de tudo. E não quero ver mais nada…
(o palco fica negro)


ACTO II

O palco está sem luz. Um foco acompanha a descida de um cesto. Desce exactamente no local onde o mineiro está. Lá dentro tem comida, água, caneta e papel.

- Mas o que é isto?
(murmura)

- Comida, papel? Não, isto é mais um truque. A mim não me apanham…
(cala-se; passado uns momentos o cesto começa a subir e desaparece no escuro)

- Coisa estranha! Quem será que desceu o cesto? E porquê o papel e caneta? Irra, não gosto de não perceber as coisas. Na minha vida as coisas sempre foram simples. Nunca gostei de coisas complicadas. Uma vez, em alto mar, naquelas viagens de semanas, emprestaram-me um livro daqueles grossos. Disseram que era de filosofia e eu torci o nariz. Mas quando comecei a ler, tinha palavras simples. Falava sobre como devemos ver a vida e como enfrentá-la. Dizia que devemos ser estóicos. Isso mesmo. Temos de enfrentar as coisas como estóicos. Com indiferença e insensíveis. Sem quebrar nem torcer. Foi assim que procurei viver a minha vida. Sem choros. Se bem que houve alturas em que devia ter chorado. Mas parece que algo não me deixava chorar. Já nem me lembro o que é chorar…
(novamente surge um cesto que desce lentamente até ao mineiro)

- Outra vez? Nem posso morrer em paz? Gostava de saber quem é que anda a mandar isto. Mas saber isso vou ter de me aguentar mais um bocado. Preciso de comer, mas não me apetece escrever nada.
(tira um pouco de comida e água, puxa a corda e o cesto começa a subir)

- Ora bem, agora sabem que tá cá alguém!
(come e bebe um pouco)

- Também como isto está não me parece que aguente muito mais. As pernas já se foram. Não sei se conseguia viver amputado. Sempre vivi do corpo. Sem as pernas o que fazia eu no mundo? Sei que há pessoas que conseguem fazer muitas coisas sem algum braço ou perna, mas comigo não dava. Já ouvi que só se morre quando a cabeça morre. Mas eu não sou nenhum desses gajos que conseguem resolver os problemas do mundo sem se mexer. Posso ser aquele que se manda na frente, porque tomates, ou melhor estoicismo, não me falta. Agora pensar nas coisas, isso é para outras. Gosto de pensar em coisas simples. Por exemplo…
(pega na água)

- Isto para mim é água. Se vem dizer que é uma composição qualquer, ou que é fonte da vida, isso para mim é cantiga. Serve para matar a sede. Se não houver água, bebe-se outra coisa qualquer. Não vou é morrer de sede. Quer dizer, se me fico cá em baixo sem nada, bem que morro. Mas é a vida. Aposto que muitos colegas meus morreram por aí. Não me lembro do nome de nenhum, mas se pudesse bem que lhes dava água. De certeza que tinham mais gosto em ficar vivos. Tem lá a família deles. Quanto a mim…
(mais uma vez o cesto desce lentamente; lá dentro comida e água, papel e caneta, e um bilhete)

- Olá, que é isto? Um bilhete?
(enquanto olha o bilhete, uma voz lê o conteúdo)

 “Procuro o meu pai. O seu nome é José Silva”

- Ora esta!
(o mineiro está surpreso)

- Eu sou José Silva. Mas que significa isto? O único que poderia saber que sou eu que aqui estou é o meu filho. Mas que está ele a fazer aqui?
(pega no papel e caneta, e escreve; puxa a corda e o cesto começa a ser puxado lentamente; lá em cima num plateau surge agora iluminado o filho; a voz do mineiro lê enquanto o filho segura o papel)

“Eu sou José Silva. Quem me pergunta o nome e qual o motivo?”

(vê-se agora o filho a escrever enquanto a luz que o ilumina se apaga; ao mesmo tempo acende-se a luz que ilumina o mineiro)

- Mas que quer ele? Será que é ele? Será que aconteceu alguma coisa? Quero dizer, para além disto. Bem sei que desapareci há dias, e ele sabia que trabalhava aqui, mas vir assim… Diabos, que quer ele?
(mais uma vez se vê o cesto descendo lentamente com comida e água, papel e caneta, e uma carta; o mineiro segura a carta enquanto uma voz lê)

 “Pai, sou eu, teu filho. Tinha o pressentimento que serias tu. Quando soube do acidente e tu não apareceste durante uns dias, soube que algo estava errado. É verdade que já me deixaste sozinho noutras alturas. Tens feito isso muitas vezes. Mas desta vez percebi que algo se tinha passado. Vim então à tua procura. E consegui. Como estás? Estás ferido? Porque não te tiraram daí?”

- Sempre é ele. Nunca mais me lembrei dele. Para falar verdade, nunca me lembro muito dele.
(pega no papel e escreve umas linhas; puxa a corda e o cesto é erguido lentamente; quando chega ao cimo, o filho pega na carta e a voz do mineiro ouve-se)

 “Estou bem. Quer dizer, tenho uma pedra enorme em cima das minhas pernas. Não consigo senti-las. Não me tiraram porque me escondi quando andaram por aí. Não queria que soubessem que estava a trabalhar aqui ilegal. Podiam prender-me.”

- O quê?
(berra o filho; pega no papel e escreve furiosamente, e apaga-se a luz; pouco depois o cesto desce até ao mineiro; ele pega no papel e ouve-se a voz do filho)
 “Podiam prender-te? E preferes morrer? Que ideia foi a tua? Como é que achas que me senti nestes dias? Não sabia se estavas vivo ou morto. Não sabia se devia ir à polícia, ao hospital ou ao cemitério. Esqueci-me até de comer. Como é que se sente um rapaz de dezoito anos quando fica completamente sozinho? Ou esqueceste-te que já não há mais ninguém? Será que ainda te lembras que a Maria fugiu com o namorado? Será que te apercebeste que a mãe esteve doente durante cinco meses e que fui eu que tomei conta dela? Nas últimas semanas, ela quase não falava, mas dizia-me sempre para te preparar o jantar. Para quando chegasses. Será que notaste que era eu que fazia a comida? Será que sentiste a falta do corpo dela quando ela morreu? Porque não choraste quando ela morreu? Porque?”

- Quanta pergunta! Quanta raiva tem este miúdo. O que lhe terá acontecido? Eu sei que não fui um pai perfeito mas que é isto que ele me acusa?
(pega no papel e escreve; fala enquanto o faz)

- Estranho, mas acho que estou a falar mais com ele neste bocado que durante a vida inteira. Será que ele tem razão?
(põe a carta no cesto, puxa a corda e o cesto sobe lentamente; o filho pega na carta e ouve-se a voz do mineiro)

“Não consigo entender tanta raiva. Tentei sempre ser um bom pai. Trabalhei para arranjar dinheiro para nós. Sei que não estive muito tempo contigo. Não tenho culpa que a tua irmã tenha decidido fugir com aquele bandalho que não gostava de trabalhar. Quanto à tua mãe, eu gostava muito dela. Foi a única mulher que amei. A única que entendi e respeitei. Gostava demais dela. Não estive com ela no fim, mas porque aquela já não era a mulher que amei. As pessoas não deveriam ser obrigadas a sofrer. Deviam morrer em paz. Sem dor. Iam dormir e não acordavam. Era isso que eu quis que acontecesse. Sabes que não sou uma pessoa querida. Se não chorei não foi porque não sentisse a falta dela. Mas porque esqueci-me como é que se chora.”

(o filho escreve mais uma vez, engana-se e amarrota o papel; volta a escrever e a enganar-se; vê-se que luta para não chorar; finalmente consegue escrever e põe dentro do cesto; apaga-se a sua luz, enquanto o cesto desce; o mineiro pega no papel e ouve-se a voz do filho)

“Não te lembras como se chora? Eu sei muito bem como é chorar. Muitas vezes chorei sozinho porque não tinha um pai em quem me apoiar. Nunca me ajudaste na escola, nunca me ajudaste a perceber as coisas. Como é a vida. Ser pai não é só trazer dinheiro para casa. Quantos dias não te via? Quando acordava já não estavas e quando me ia deitar ainda não tinhas chegado. Não foste um bom pai porque não soubeste ter um filho. Não soubeste proteger-me, apoiar-me, amar-me. A Maria fugiu porque não aguentou mais esta vida. Quis mudar o futuro. E também me deixou sozinho. Sozinho com a mãe. Dizes que ela deveria ter morrido em paz. Sem dor! Ela sofreu todos os dias. E tu deverias ter estado ao lado dela. Eu não queria saber se passasse fome naqueles dias, mas queria que tivesses mostrado que gostavas dela. Que precisavas dela. Como eu precisava de ti. E agora estás aí e preferes morrer? És um egoísta. Um bruto que nunca pensou nos outros um minuto da sua vida. Pensei que ao encontrar-te tudo ia mudar. Mas afinal tudo continua na mesma”

(o mineiro pousa a carta e pensa)

- A vida traz-nos muitas surpresas. Aqui tava preparado para receber a morte. Sem complicações. Pensei que era uma coisa simples. Que ninguém sentiria a minha falta…
(pega na caneta e escreve poucas linhas; puxa a corda e o cesto sobe lentamente, quando chega ao filho pega na carta, a luz do mineiro e ouve-se a sua voz)

 “Meu filho, perdoa-me! Percebo agora o quanto te magoei. Creio que cheguei tarde. Ou talvez tu tivesses chegado tarde.”

(o filho põe a cabeça entre as mãos e chora; passados uns momentos, levanta-se e sai; as luzes do palco apagam-se)


ACTO III

O palco está sem luz. Acende-se um foco sobre o mineiro. Perdeu a mobilidade nos braços e tem cada vez mais dificuldade em respirar. A voz é arrastada mas suave.

- Foi-se embora. Não o condeno. Agora sei o quanto o fiz sofrer. A minha morte em nada se compara com uma vida sem o pai. Eu bem sei. Não tive escola de como ser pai. O meu era um alcoólico que batia em toda a gente. Sempre pensei que me bastava não fazer isso para me tornar um bom pai. Nunca soube o que era o carinho de um pai, por isso nunca soube que o tinha de fazer ao meu filho. Não existe livro de instruções para ser pai. Entendo agora que não estive lá quando precisou. É normal que não me perdoe.
(chora)

- Não queria morrer sem lhe dizer que o amo. Pela primeira vez na vida tenho orgulho em alguém. Não me orgulho da minha vida, mas se ela serviu para fazer um homem assim, fico muito feliz. É como se a minha passagem na terra valesse só por isto. Os filhos podem ter defeitos e qualidades dos pais, mas a força que ele demonstrou ao cuidar da minha mulher, eu não sei se a teria. Sobretudo estando ela a morrer. E sem a presença de uma pai. Ele é que foi o verdadeiro estóico. Eu fui apenas alguém que não soube entender como se deve viver.
(torna-se cada vez mais difícil falar por causa da respiração)

- Se pudesse viver outra vez mudava muita coisa. Não posso. Pior, não viver para remediar o que fiz. Já falta pouco. Sinto as forças a abandonar-me. Agora que queria um pouco mais de tempo para estar com ele, sei que vou morrer. E sinto todas as lágrimas que nunca chorei a sair de mim. Sinto uma tristeza enorme dentro de mim. Como se finalmente descobrisse que é bom viver e já não tenho tempo para o fazer. Nem para partilhar a vida com o meu filho. Levo a alegria de o ter descoberto e a tristeza de o ter perdido…
(a sua cabeça cai para o lado; após uns momentos o foco que o ilumina apaga-se; mais uns momentos, acende-se o foco no plateau superior, onde chega rapidamente o filho; pega em papel, escreve umas linhas e põe dentro do cesto, desce-o rapidamente e ele perde-se na escuridão; espera uns momentos com a cara enterrada nas mãos; puxa a o cesto e descobre que nada foi tocado; grita então para o buraco)

- Pai! Pai! Pai! Por favor responde-me. Diz qualquer coisa. Eu perdoo tudo. Aliás, eu não tenho de perdoar nada. Eu só quero que estejas vivo. Fala comigo. Queres que mande o cesto? Eu quero tirar-te daí. Mesmo que queiras morrer, eu quero-te comigo. Se tiveres aleijado, eu cuido de ti. Como cuidei da mãe. Não te quero perder.
(deixa-se cair sentado; chora convulsivamente; fala entrecortado com o choro)

- Eu perdoo-te. Eu entendo tudo. Tu não soubeste ser pai, mas eu também não soube ser filho. Que filho deixa o pai morrer? Tudo o que passei não é nada comparado com isto. A mãe não teve hipótese de escolha. Eu aceitei a morte dela muito antes dela morrer. Aliás, muitas vezes rezei para que ela fosse mais cedo, para não sofrer mais. Mas agora eu podia fazer algo mais. Que filho deixa o pai morrer? Tudo tem de ser esquecido quando se encontra um pai que nos ama. E sim, ele trabalhava o dia inteiro por nós. Que importa que não me tivesse dado um carinho? Eu é que devia ter dado a ele. Todos os dias. Devia ter apreciado o esforço dele. E não deve ser fácil saber que a mulher que amamos está a morrer. E agora um filho que o abandona ao morrer. Algo que o culpei a ele de fazer. Não, quero ter uma família. Quero que este exemplo me faça ser um pai sempre presente. Um pai que mesmo trabalhando ouve e dá carinho aos filhos. Eu sei que se ele tivesse sabido isto antes, me daria tudo. Estaria ao meu lado quando fiz a escola toda, iria proteger-me quando os outros rapazes me chamavam nomes, iria ajudar-me quando gostei de uma rapariga pela primeira vez. Seria um bom pai. Agora perdi-o. Sem nunca lhe ter dito que o amava. Que a força dele me impressionava. Que muitas vezes me escondia a vê-lo rachar lenha ou consertar alguma coisa e o achava o homem mais forte do mundo. Que me trouxe o ódio que senti por ele? Que filho deixa morrer o pai? O que eu não dava para mais uns momentos com ele? Daria tudo. Mas já não vou a tempo.
(acalma-se a pouco e pouco)

- Ou melhor, vou a tempo. Irei dar ao meu pai um funeral digno. Para que possa sempre ter um sítio onde ir visitá-lo. E falar com ele. Apesar de morto, sei que me irá ajudar ao longo da vida. Quem disse que só a presença física nos traz conforto? Sei que ele estará sempre a zelar por mim. E levarei lá os meus filhos. Quero que eles conheçam o avô como um homem bom. Um homem que trabalhou todos os dias para que não me faltasse nada. E todo o carinho que não lhe pude dar a ele, passará para eles. Nunca nenhum terá falta de apoio meu. Farei tudo… Para que lá em cima, o meu pai sinta orgulho de mim! Nesta mina meu pai morreu, mas nesta mina encontrei o meu amor por ele. Será sempre meu pai mineiro…


FIM

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