Uma ilusão do Mundo

I

Desilusão.

II

Chega a África e entra num mundo completamente diferente. A parede de ar quente à saída do avião lembra-lhe a passagem para uma nova vida. Dentro do avião ficava a ligação a outro país, a outra realidade, a outra desilusão. Tudo ficou para trás. Cabeça limpa. Sem emprego, arriscou no voluntariado. Agora que desce as escadas sente uma mistura enorme de sentimentos. Sente medo de ser engolido por um continente imenso, mas ao mesmo tempo quer perder-se. Redescobrir-se para esquecer tudo o que foi.
No aeroporto espera-o V.. Português, mais velho dois anos que ele, amigo desde o tempo da Universidade. Foi ele que, depois de uma conversa em que o desânimo era evidente, o convenceu a arriscar uns tempos de voluntariado. Um longo abraço sentido substituiu as primeiras palavras. Invejava-o. A coragem de já estar há vários anos a dar o seu tempo e dedicação aos que mais precisavam faziam dele um modelo.
Tem dentro dele mil perguntas sobre África e sobre o trabalho, mas V. acalma-o:
- Temos tempo para tudo isso. Até porque não se explica África. Descobre-se. Vive-se.
Entram no jipe e seguem estrada fora. Primeiro na cidade, depois periferia e finalmente por zonas mais desertas. A paisagem é fantástica. Seguem junto à costa e ele vê um mar azul deslumbrante. Sabe que mais tarde ou mais cedo irá mergulhar naquelas águas quentes.
V. vai adiando as informações sobre o trabalho, perguntando coisas sobre Portugal, os amigos em comum, o futebol. Ele responde a tudo porque entende que as saudades de casa devem pesar. Quase todos nós nos queixamos do nosso país, mas vivendo fora deles, a saudade fala mais alto.
Finalmente, ao fim de uma hora de viagem, chegam a uma pequena vila. Se tivesse que imaginar uma aldeia africana típica, seria assim. Casas rústicas, pobres. Uma estrada de terra que a atravessa e várias crianças a brincar com tudo que encontram. Não pode deixar de sorrir. Era à procura desta pureza que abandonou tudo.
- Agora que estamos aqui, vais contar-me coisas?
- Estamos a chegar à tua casa e explico já tudo.
Chegam a uma pequena casa e V. pára o carro. Tiram as malas e entram.
- Quis mostrar-te já a casa para que não estejas à espera de uma mansão. As condições não são famosas.
- V., não vim à procura de uma spa. Quero simplicidade!
- Tudo bem! Vamos instalar-te e dar uma volta para te pôr a par.
Depois de arrumar a pouca roupa que trouxe, saem à rua.
- Como sabes sou o coordenador de vários projectos nesta zona. Eu não vivo nesta vila. Vivo noutra mais central porque tenho de visitar os pequenos núcleos quase todos os dias. Eu quero que fiques como responsável por este local. É uma zona pobre mas ainda assim tem algumas condições. Há uma escola e já um projecto para termos um sistema de esgotos melhor.
Por esta altura são interrompidos sucessivamente por pessoas que querem falar com V.. Para pedir coisas, para agradecer coisas, para pedir que ele voltasse. A todos eles apresenta-o como o novo responsável. Ficou a conhecer metade da população dessa forma.
A vila é pequena. Não demora mais de dez minutos a ser atravessada a pé. Tem um pequeno mercado com uma espécie de taberna onde toda a gente se junta. É aí que V. lhe explica como vai coordenar as coisas.
-Terás pouco dinheiro, muito que fazer, imensa vontade de ajudar toda a gente e ficarás frustrado porque não vais conseguir.
- Acho que conheces a sensação bem demais.
- Pois, eu estive nesta vila durante vários meses. É por isso que tenho um carinho especial e é por isso que quero que fiques aqui.
- Não sabia! Agora entendo porque toda a gente te conhece.
- Para além de conhecer, são quase família. É tudo boa gente mas demoram a confiar nas pessoas. Já muitos passaram a fazer promessas, mas sem as cumprirem.
- Não te quero desiludir!
- Eu sei que não.

*

As primeiras semanas foram de instalação e adaptação. Logo na primeira semana, a vontade de provar as comidas resultou em problemas de estômago. O calor e os mosquitos não deixam dormir. Mas nada lhe tirava o sorriso. Tinha esquecido tudo. E primeira ida à praia foi, como esperado, inesquecível. A praia deserta, a água quente e límpida. Deixou-se ficar horas naquele paraíso. Devagar foi entrando na comunidade, com todas as coisas boas e más. De cada pessoa recebia o carinho e um pedido. Começou a perceber que as necessidades podiam superar a sua capacidade. Rapidamente teve que fazer um plano do dinheiro ou ajudas existentes e as urgências. As pessoas convidavam-no para o convívio nocturno no mercado e ouvia deliciado as estórias mágicas dos anciãos.
Nas idas à praia, que se tornam quase diárias, conheceu o velho Z. “Preto”. Uma personagem fantástica, com a sabedoria ancestral dos pescadores africanos. Se lhe perguntassem a idade, não sabia dizer. Como se fosse eterno.
- Sou mais velho que as pedra, moleque!
Conversador nato, iam muitas vezes os dois para casa dele grelhar peixe que sobrava da pescaria. Sentia que começava a respirar África.

*

África tem um ritmo próprio. Os problemas crescem, os atrasos acumulam-se e as soluções atrasam-se. Os projectos tiram-lhe quase todo o tempo disponível mas sente-se feliz. Ocupado com coisas boas que lhe aquecem o coração.
Passaram dois meses desde que chegou, quando recebe uma chamada de V.:
- Tenho uma novidade! O Ministério enviou finalmente uma professora para a escola. Tens de ver se a escola tem condições, organizar os alunos e receber a professora. Ela chega da capital daqui a uma semana.
- Como se chama?
- Não sei. Não sei absolutamente nada.

*

É um dia quente de Novembro. O Sol está particularmente impiedoso. O autocarro mensal chega com o atrase habitual. É um continente com um ritmo próprio.
Saem as pessoas que se habituou a ver chegar. Em último lugar, uma figura feminina. Alta, tez de chocolate de leite, corpo africano com curvas generosas. Após um momento a observá-la, aproxima-se:
- Bom dia! É a nova professora?
Com um largo sorriso cativante, surge a resposta.
- Sim! Sou H. – estendendo a mão.
- Olá! Quero dar as boas-vindas à minha humilde vila.
- Ah, é sua? Sempre pensei que fosse nossa, dos africanos.
- Ahah, tenho de dar razão. Mas peço para largarmos o você. Até porque espero que a nossa relação seja longa.
- Relação? Eu a pensar que vinha dar aulas e afinal vim arranjar um marido.
- Ahah! Já vi que tenho uma professora com sentido de humor.
- Não há mau humor em África. Já estamos tão habituados a guerras e desastres que só podemos ver as coisas pelo lado positivo.
- Começo a aprender isso.
Os sorrisos foram a chave. A conversa flui agora tranquilamente enquanto caminham para a escola. Mostra-lhe as condições com que terá que trabalhar.
- E pronto, é assim. As condições não são as melhores, mas acho que chegam. Basta que me digas e falo com os pais da crianças.
- Sim, eu não sei se te disseram mas eu tenho mais vilas onde dar aulas. Irei estar aqui alguns dias por mês. Infelizmente isto não tem um horário normal.
- Não me tinham dito nada mas tenho de entender. Imagino que seja um trabalho complicado para ti.
- Não é a situação ideal de aprendizagem mas não há muitas soluções.
- Moras na capital?
- Sim, nos arredores. Também dou lá aulas.
- Imagino que seja cansativo.
- Não é fácil. Não tenho tempo para nada.
- Sim, imagino que o namorado não gosta.
Pela primeira vez, uma sombra de tristeza passa pelo rosto de H.
- Não tenho!
Percebendo que tinha abusado na conversa e que a tinha perturbado, decide mudar o assunto e mostrar-lhe a casa onde ela ficará enquanto estivesse na vila. Aos poucos o sorriso volta. Como forma de a integrar, convida-a para jantar com ele. Mas a notícia que a professora tinha chegado já se tinha espalhado. Um miúdo chega ao pé deles e diz que estão a fazer um mega jantar no centro da vila. Os dois riem. Uma festa africana não pode ser pequena.
- Vamos arranjar-nos e depois passo aqui para te buscar.
No caminho de casa vai pensando naquela nova figura. As mulheres africanas sempre tinham exercido fascínio sobre si. Os amigos falavam das sul-americanas, outros das asiáticas, mas ele tinha uma simpatia pelas mulheres do continente-mãe. Talvez a força, o mistério, a cor. Lembra-se como fez asneira ao falar do namorado e decide que lhe vai pedir desculpa.
*
Talvez por ser o que eles chamam “uma patrícia”, a verdade é que H. foi recebida com toda a festa e alegria no jantar e semanas que se seguiram.
Empenhados em pôr a escola a trabalhar, passaram muito tempo juntos. A cumplicidade foi crescendo e as conversas foram-se tornando mais longas e mais íntimas. Longos passeios, na praia.
- Estamos juntos há tantos dias e não me disseste porque vieste para África!
- Ahah! Sabia que haveríamos de chegar às conversas mais complicadas. Podia dizer que vinha só por motivos altruístas, mas não é verdade. Ou melhor, a fuga era certa, escolher África foi um acto altruísta.
- Fuga?
- Sim, fuga. Este rapaz que aqui vês tem fantasmas. Uma relação que deu para o torto. Um trabalho que nada me dizia. Aliás, nada me prendia. Precisava de fugir, isolar-me de tudo. Estar sozinho…
- E porquê aqui?
- Ah, essa é a parte altruísta. África sempre me chamou. Não me perguntes como, mas sempre tive uma vontade imensa de vir cá. E precisava de fazer algo que me enchesse o coração. O V. convidou-me e tudo fez sentido.
- É muito bonito isso. Mesmo que estivesses a fugir, a parte que importa é que estejas aqui, né?
- Sim, acho que sim. E tu?
- Eu o quê?
- És inteligente, tens trabalho na capital, porque fazes estas viagens?
- Sabes, adorava dizer que é só por amor ao ensino, mas não… - pára de falar e retrai-se.
- Mas não importa, o que interessa é estares aqui. Aposto que os tens pais tem orgulho em ti.
- Oh, lindo, isso é uma estória tão comprida. – as lágrimas correm livremente.
- Desculpa, não te queria ver assim. Mas se quiseres desabafar, eu tenho todo o tempo para te ouvir.
Caminham um pouco em silêncio, com os prós e contras a serem pesados na cabeça dela. Pára e abraça-o. Vê-se que não sente um abraço há muito. As caras de ambas tocam-se e sem consciência, ambas se beijam. É um beijo longo, demorado, como se tudo estivesse certo. O caminho até casa dele é feito aos repelões, com beijos pelo meio.
Os corpos fundem-se num só, o desejo funde-se com a vontade, a baunilha mistura-se com o chocolate. Ela entrega-se àquele desconhecido com a confiança de uma crença. Ele recebe toda aquela força da natureza, procurando entender o que sente por esta desconhecida. Fazer amor, rir, fazer sexo, comer, foder, dormir. A tarde passa, o dia acaba, a noite começa. As defesas dela começam a cair e apesar de serem ainda quase desconhecidos, decide desabafar.
- Eu não sou uma pessoa feliz. Aliás, não acredito que haja felicidade. Talvez momentos de felicidade, mas deixei de acreditar que posso ser feliz.
- Porquê?
- A minha vida. A minha mãe não gosta de mim. Está sempre a insultar-me e a dizer que não presto.
- Não prestas? Mas tu és uma querida. E és professora, uma profissão nobre.
- Essa é outra razão. Como tirei um curso superior, ela acusa-me de achar que sou mais que ela.
- Mas ela devia estar orgulhosa de ti. O teu pai não diz nada?
- O problema com o meu pai é diferente. Eu adorava o meu pai. Mas uma semana antes de vir para aqui descobri algo que me fez mudar o que penso do meu pai. Aliás, mudou tudo o que sabia antes.
- Algo assim tão terrível?
- Tão terrível que não te consigo contar. Tudo menos isto. – recomeça a chorar.
- Calma. Não precisas contar mais nada.
- Sim, há mais uma coisa que tenho de te contar. Eu não sou propriamente solteira. E sinto-me mal em estar aqui contigo assim.
- Sentes-te mal por estar comigo?
- Não, não! Não é isso que quero dizer. Adoro estar aqui contigo. Não me sentia assim desde… sempre. Mas não me sinto bem porque estou a enganar os dois.
- Mas tu estás bem com ele?
- Não. Ele ignora-me e é rude comigo. Por isso me sinto tão bem contigo. Tratas-me como ninguém me trata.
- Porque mereces.
- Oh, que doce!

III

Ilusão.

IV

Tudo parecia perfeito. Os dias corriam devagar, ao sabor do amor que os unia. Estavam juntos no tempo que ela estava na aldeia e estavam juntos nas duas vezes que ele foi à capital. A princípio, as pessoas estranharam vê-los juntos, mas depois já os assumiam como um casal.
Dormiam juntos, acordavam juntos, comiam juntos, passeavam juntos. A única altura que se separavam, e a que lhes custava, era quando ela regressava sozinha à cidade. Nessas alturas, ele dedicava-se ainda mais ao trabalho e às conversas com o velho pescador. O entusiasmo com que encarava tudo esbarrava com a ironia de Z.
- Cada dia que passa, acho mais que esta região podia crescer. Tem recursos fantásticos.
- E porque queres que cresça? Está muito bem assim.
- Porquê?! Então mas se pode tornar-se mais rica. Toda a gente ia beneficiar.
- Ahah! Acho que ainda não entendeste África. Vou-te contar uma estória.
Pára de remendar a rede, acende o seu cachimbo e passa as mãos pelo cabelo grisalho.
- Aqui perto, há um enorme lago chamado Niassa. Certo dia, um patrício meu estava a remendar as redes, como eu estou. Chegou um branco como tu e começou a falar do tal do progresso. Disse que ele devia comprar um barco maior. O meu patrício perguntou porquê. “Para poder pescar mais longe e com mais homens”. O meu patrício parou de remendar e perguntou outra vez porquê. “Ora para apanhar mais peixe! Assim ganharia mais dinheiro e podia comprar mais barcos”. Outra vez o patrício pensou um momento e perguntou porquê. O branco não desarmou e disse “Porque assim podia criar uma empresa, ter dinheiro e já podia voltar para aqui e viver uma vida tranquila”. O patrício pensou, pensou, pensou e coçando a barba disse “Mas se é para voltar para aqui e viver tranquilo, para que preciso desse trabalho todo”. O branco percebeu. E tu, percebeste? – e ri.
- Ahah, percebo que vocês se queixam mas não querem fazer nada por isso.
- Claro! Os africanos queixam-se de tudo mas com um sorriso. Vivemos com o que terra nos dá. Tudo mais é inútil.
- Mas há tanto aqui por explorar.
- Pois, mas quem explora são os brancos. Nós só vivemos aqui.
- Mas era para vosso bem. Não entendo porque preferem uma situação menos boa que nos dê trabalho e uma melhor que implique esforço.
- Pois, quando entenderes isso, entendes África.
- Acho que nunca.
- Calma, moleque, nunca é muito tempo.
*
Apesar de as coisas terem tudo para dar certo, havia sempre algo que parecia não os deixar ser felizes. Os medos dela, fosse dos pais, da sociedade, de o desiludir, de magoar o ex-namorado. As incompreensões dele, sobretudo dos medos dela. Ele queria viver tudo de uma vez, e ela sentia-se ainda uma estranha no mundo dele. Aquela mulher fisicamente forte, era frágil emocionalmente. Ele arrependia-se sempre do que lhe exigia quando ela irrompia em lágrimas. Parecia que ela tinha criado um muro de defesa e que só por vezes ele lá entrava.
- Às vezes sinto que não estás cá. Parece que tens um mundinho teu onde nem eu entro.
- Eu sei! Tu sabes dos meus problemas. Já me magoaram muito e tenho medo de deixar alguém entrar.
- Mas sou eu. Eu não te quero magoar.
- Sim, mas tens de dar tempo.
E o tempo foi passando.

V

Os meses foram passando e viviam uma espécie de encantamento. Devagar se foram encaixando e moldando. Mas a vida tem uma estranha forma de nos lembrar que nada é perfeito.

*

Ela foi colocada definitivamente numa escola da capital e ele tinha cada vez mais projectos nos arredores da pequena aldeia. Mas o contentamento que deveriam ter por se estarem a realizar, esbarrava com o facto de se verem cada vez menos vezes. Ambos trocavam juras de amor mas sentiam a distância a crescer demais. Ela sentia a falta de alguém que a protegesse, ele sentia falta daquela deusa africana tão frágil. A falta de contacto físico começou a lenta erosão da relação. As cartas que se escreviam foram rareando e os poucos telefonemas seguiam um guião que começava na saudade, passava pelo excesso de saudade, seguia pela discussão, desaguava nas lágrimas e acabava na esperança. A esperança de poderem estar juntos. O desencantamento não foi súbito, foi um processo gradual e irreversível. Mas um pequeno momento marcou-o.
Foi numa das suas visitas à capital. Estava feliz por poder vê-la, beija-la, senti-la. Tudo parecia esquecido, as saudades, os problemas, as discussões. Estaria com ela e o mundo pareceria certo. E de facto, tudo foi maravilhoso. Lembrava o primeiro toque, o primeiro beijo, o primeiro orgasmo. Falaram, riram, dormiram. Os dois no seu mundo. Nessa noite única (que mais tarde ele relembraria como a última), ela abriu-lhe completamente as portas do seu mundo.
- Quando tu me conheceste a minha relação anterior ainda estava muito presente. Na verdade, eu ainda não tinha acabado definitivamente. Mas eu sentia-me pouco amuada, maltratada. Tu surgiste como um príncipe que me conheceu, gostou de mim e cuidou de mim. Poucos dias antes de nos termos encontrado, eu soube algo que me desiludiu muito. Toda a minha vida a minha mãe me insultou e rebaixou. Mas o meu pai era o meu ídolo. Uma pessoa calma que me protegia. Pois bem, nós sabíamos que o meu pai tinha uma outra família. Custou-nos saber mas se a minha mãe tinha aceite, tudo bem. Eu e as minhas irmãs conhecemos uma meia-irmã. Fomos falando e sentíamos que ela tinha uma mágoa muito grande. A princípio pensávamos que era por sermos a família oficial do meu pai, mas não era. Ela pediu para lanchar comigo e com as minhas irmãs. E disse-nos que o meu pai a tinha molestado quando era mais nova. Como podes calcular primeiro não acreditamos, mas como é que se duvida de alguém que diz uma coisa dessas? As minhas irmãs não acreditaram, mas alguma coisa dentro de mim partiu-se. Parecia que já não via o meu pai com os mesmos olhos. Ficou a dúvida! E ele sentiu que estava mais fria. Mas não consegui perguntar-lhe. Tinha perdido o meu protector. E tu apareceste. Parecia bom demais ter alguém que me queria tanto e cuidaria de mim. E só saber que existes é fantástico. O meu príncipe cor de baunilha. Mesmo que custe muito estar longe de ti. Mesmo que não fiquemos juntos, saberei sempre que existes.
Neste momento calou-se. Ele abraçou-a e beijou-a. No dia seguinte, antes de se despedirem, foram almoçar. Estavam felizes! Quando ele se inclinava para lhe dar um beijo, ela disse:
- Espera! – e levantando-se foi falar com um rapaz que acabara de entrar no restaurante. Voltou ao lugar e sentou-se mais afastada. – É um amigo do meu ex-namorado e não quero que ele nos veja juntos.
Ele calou-se. Talvez devesse ter falado naquele momento. Durante meses pensou que naquele momento deveria ter dito ou feito algo. Mas calou-se. E ao calar-se deixou algo partir-se. Se ela sentiu o que tinha feito, não o mencionou. Despediram-se. Não o sabiam mas estavam a despedir-se do mais belo da sua relação.

VI
Desilusão.

VII

Sempre soubera lidar com as emoções, menos a desilusão. E aquele pequeno momento em que ela lhe pediu para esconder o seu amor e carinho para que o outro não descobrisse não saiu da sua cabeça durante semanas. Ela que lhe dizia que ele a protegia, tinha medo do conhecimento do ex-namorado. Ainda pensou que aquela distância entre eles a tinha feito reaproximar dele, mas foi apenas um assomo de ciúme. A verdade é que a desilusão foi criando uma frieza nele em relação a ela que contrastava com o calor das lembranças. E quando um par de meses depois, ele voltou à capital, sabia que seria a última vez. Na despedida houve lágrimas. Não pelo que foram mas por aquilo que nunca seriam. Nunca descobririam se foi a distância, se foi a barreira que ela criou para si própria. As últimas palavras dela foram:
- Não acredito em felicidade. Acredito apenas em momentos felizes. E contigo fui feliz.
E deu-lhe o último beijo.

VIII

Lembrou-se muitas vezes dessas palavras e do último beijo. Soube passado um ano que ela tinha casado com o ex-namorado. Foi o último golpe. A evidência que ela preferia deixar-se levar pela vida do que lutar por algo melhor.
Conversou pela última vez com o velho Z. O pescador conseguiu reconhecer nele a mais antiga maleita do mundo: um desgosto de amor.
- Ah, rapaz, agora que entendeste África, vais embora. Mas não te podes esquecer que um pedaço do teu coração ficará aqui em África.
- Mas isso não é mau.
- Nada, é como deve ser. Deves plantar um pouco de ti por onde passas.
- Ah, velho, vou ter saudades das tuas palavras.
- Não, vais ter saudade é do que as minhas palavras te fazem pensar.
- Pois, disso…

Fim

0 comentários:

| Top ↑ |